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Amor
Não me dês tanto, não.
Só uma vez ou outra
Prende-me nos teus braços em cruz
E envolve-me na carícia morena e loira do teu amor
E na certeza de paz do teu carinho.
Só uma vez outra…
Poema de José Craveirinha, para a música "Apenas", de Fausto Bordalo Dias.
Entre os caminhos da quarentena, acha-se espaço para reencontros. Com discos, por exemplo. Este eu não ouvia desde o inicio dos anos 90. Recordo quando o vi a primeira vez, o vinil que encontrei na discoteca do CMR, capa com uma etiqueta autocolante de lado, a identificar o seu número de catálogo. Parece que estou a ver o tipo de letra dessas etiquetas, que também catalogaram os Cd's.
Nas madrugadas de noticiários a solo, havia tempo para abrir o olhar e a escuta. Um caminho solitário e nocturno de descoberta que me trouxe coisas que guardo até hoje.
Do Fausto, eu conhecia o icónico "Por este rio acima" e o "Despertar dos Alquimistas", e, mesmo assim, vagamente.
Este disco, chamado "A Preto e Branco", teve em mim profundo impacto. Desde logo porque trazia um doce "Namoro", que eu sabia de cor na voz do Sérgio Godinho, e cuja melodia eu sabia ter sido inventada por Fausto (para um poema do angolano Viriato da Cruz), mas nunca tinha ouvido o próprio Fausto cantar aquilo. A letra, mudada aqui e ali, mais doce, mais africana no balanço das palavras escolhidas, ainda mais rica no apelo à memória de cheiros e calores.
"E a malta gritou, aí Benjamim..."
E depois fui por ali fora. Agora mesmo, apanhou-me de surpresa, no Spotify, numa lista de musica portuguesa que eu tenho, chamada "Tugas para eu cantar", a faixa de abertura do disco "Era no tempo dos Tamarindos".
Mas que maravilha! Que bem que me soube continuar a saber a letra toda, ainda hoje.
É um disco que nunca será visto como a arte maior do Fausto, tal a grandiosidade de outras obras dele. Mas, para mim, vai direto ao coração, com o nostálgico sabor familiar de um tempo que passou, e que foi bom. Lembrei-me daquelas madrugadas, sozinho na rádio, a ouvir música sem parar, enquanto escrevia noticiários numa máquina de escrever, na redacção, com aqueles armários de pesada madeira que eram uma arca do tesouro. Dali vinham incríveis sons completamente desconhecidos para mim, até então.
De Donald Fagen a Tom Verlaine. Tribe Called Quest a Happy Mondays. De Mler If Dada a uma inacreditável Guida de Palma, emigra em Paris de França, que cantava uma coisa que dizia :
"O que é que tu fazes bebé, quando a noite cai? Olhas a novela, ou sais?"
Na voragem da descoberta, cabia um mundo de coisas, oriundas de planetas musicais de sistemas solares que não comunicavam entre si.
Da música que me bateu de frente naquelas noites vem então a África cantada neste disco do Fausto.
Como aqui, o poema de Ernesto Lara Filho, para a música que abre o disco, a tal dos Tamarindos.
Era sempre o mesmo diálogo
Minha mãe:”Chingamin?”
Zenza Niala no chão sorria
Mostrava os dentes de marfim
E respondia
-“Meia-cinco, sinhóra”