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Quem jogou neste grandioso estádio, no futebol da minha infância, sabe que o melhor guarda-redes de sempre foi um rapaz chamado Abel. Voava para apanhar todos os remates ali ao fundo, entre a parede e uma pedra da calçada que punhamos a fazer de poste. Ele tinha vindo de Angola, tremia de frio mesmo quando já estavamos em Maio e era de um sorriso que nunca esqueci. Neste campo da rua conheci o meu primeiro grande amigo portista, que ia jogar com uma camisola que parecia oficial (raridade absoluta, à época). Era o Filipe Aleluia. Nunca mais soube dele. Morava no prédio de um miudo chamado Tiago, que morreu, naquele que foi o primeiro embate da minha vida com a morte de alguém que eu conhecia.Nesta praceta havia um senhor, careca e de bigode, que morava numa casa com uma varanda que dava mesmo para a grande área. Às vezes a bola ia lá parar. Umas vezes subíamos, arriscando tudo para continuar o jogo. Outras vezes ele chamava a policia e não havia mais bola para ninguém.Na praceta de Sofala, que na altura era maior do que é hoje, porque, entretanto, aumentaram o espaço para os carros; jogava o Dy, jogava o Filipe dos Óculos, o Tozé do prédio do canto, o Pestana do meu prédio que ficava do outro lado da rua, o Barrocal que mandava naquilo tudo, os manos Silvério. O Peiduça, o Mirron, o Miguel que era o irmão mais novo da Susana e que agora é Chef de Cozinha.Naquela calçada aconteceram golos e jogadas que deviam ter sido gravadas. Mas não havia telemoveis, nem internet, nem consolas...por isso passavamos o dia na rua.
Nesta rua.
Eramos Jordão, Carlos Manuel, Gomes bi-bota, João Alves, Chalana, Oliveira, Bento.
Ou Zico, Sócrates, Falcao, Éder, no incrivel verão de 82.
E, muitas vezes, não havia ninguém para jogar, eu saia de casa, levava uma bola e inventava jogos a sério, sozinho, a atacar e defender as duas balizas, horas a fio, neste passeio que aqui vos mostro.
Tudo me parecia tão maior.
O mini-mercado Costa & Teixeira, um baixinho, magrinho de bigode, o outro bonacheirão. O Tebe, que era madeirense e morava por cima dessa loja, onde vendiam garrafas de gasosa que tinham um berlinde dentro.
Esta imagem, na qual tropecei hoje, tem vista para esse lugar mágico, longinquo e aconchegante que é a infância, apesar de alguns fortes pesares, que também os houve.
Mas ali, a jogar à bola, ou hóquei com os sticks Reno dos miudos que jogavam no PA...
Ou simplesmente na conversa, nas escadas de um dos prédios da Praceta...eu fui um miúdo tão mas tão feliz.
Fazer linhas, dois saltos e o resto passos. Muda aos 5 acaba aos 10. Ou quando nos chamarem da janela.
Praceta de Sofala. Maior Estádio do Mundo.
Gonçalo....
Quando nem 3 anos tinhas, escrevi-te assim:
Tudo começa com o apocalipse. Esperneia, refila, choraminga. Mas então pego nele, digo-lhe ao ouvido "Vá, o Gonçalo tem que ir dormir. É de noite, os meninos já estão todos a fazer ó-ó. O Noddy já está a fazer ó-ó, e o burro (do Shrek) também já está a fazer o-ó". Ele deita o olhar aos bonecos do Noddy e do Burro, e ri-se daquela maneira dele que é a que ele tem de dizer "sim"... Então encosta a cabecita ao meu ombro, onde encontra o fresquinho aconchegante da fralda de pano, põe a chucha e sossega. É então que o deito...e é sempre o mesmo ritual: ele diz "papá", para se assegurar que eu não me vou logo embora, eu respondo, baixinho, "chiu, 'tá aqui o papá". Ele aninha-se, procura a posição mais confortável na caminha e deixa-se estar. Estou ali 5, 10 minutos até sentir a respiração dele mais profunda e descansada. Quando lhe digo "boa noite meu amor", ele já não ouve, e ainda bem porque pensando bem tudo isto é de uma piroseira que não se encontra nos filmes, só mesmo na vida real. Quando fizeste 5: Temos muitas birras para resolver, e muitas danças a cantar "é a vitória, é a vitória!", de cada vez que um ou outro ganharmos um jogo, seja da bola seja da gotinha azul ou outro qualquer. Muitas brincadeiras de escondidas e apanhadas, de lutas e de animais a rugir. Muitos filmes para ver de mãozinha dada, contigo a dizer-me que tens medo (em algumas cenas) e eu a passar o filme para a frente. Muito leitinho para aquecer no micro-ondas, muitos banhos para salpicar o chão da casa de banho (porque o tubarão e o crocodilo estão à luta na banheira).
A 2 dias de fazeres 6:
David subiu no terreno, pela direita, entrou na área e disparou. Sabin ainda defendeu o remate potente, mas a bola foi ao poste e sobrou para Gonçalo Ribeiro, el matador. Gonçalo tentou primeiro com o joelho, mas só quando acertou em cheio com o seu pé esquerdo (já apelidado justamente de golden left foot) na bola, é que esta passou o risco de baliza, fazendo explodir a festa. Gonçalo foi abraçado pelos colegas, vitoriado de forma especial por ser dos mais pequeninos em campo e ter acabado de marcar um golo que colocou a sua equipa na frente do marcador. Ele só faz anos na 5ª Feira, mas a forma como olhou para o papá babado, que o aplaudia da linha lateral, mostrou que esta tinha sido uma grande presente antecipado. À saída do treino, todo feliz: "Papá viste o meu golo?" Vi filho, vi e não percebo como é que isso não está a abrir os noticiários das televisões.
Quando ias fazer 7:
Uma criança espantosa que me maravilha todos os dias com o seu coração imenso, o seu olhar esperto, a sua vivacidade, curiosidade que é sinal de inteligência, tremenda inteligência emocional, instinto. O seu amor em estado puro!
Ao fazeres 10:
O Gonçalo e o Lego, um artista. O Gonçalo e os seus jogos, da playstation ao berlinde. O Gonçalo e o folhado de salsicha quando vamos buscar a Mafalda. O Gonçalo e o "Ò pai ela é tão linda que só dá vontade de estar sempre a apertar", quando vamos ver a Maria. O Gonçalo que acordava de noite a chamar, com os seus medos, e agora já dorme descansado. Mas ainda hoje não gosta nada de estar sozinho, e um corredor escuro é um corredor escuro. Acende a luz, Gonçalo. E ele acende, e sorri, malandro. O Gonçalo que me topa estados de alma a léguas, mesmo que eu disfarce muito. Que me dá a mão no carro, sempre que estico a minha para o banco de trás, à procura, como fazemos desde o principio. O Gonçalinho que é um esquisito com a comida, mas noutro dia provou queijo da serra e gostou. Que se pela por pão de ló, pizza, só gosta de leite sem nada, disney channel, Selena Gomez, o programa das Fugas da prisão, aquela cena do UP e a lenga-lenga na ponta da língua: "Meu nome é Russel, e sou um explorador da natureza..."
Quando fizeste 12 anos:
Tem medo do escuro, quando tem tanta luz em si. Um sonhador, um devorador de informação à sua volta, um cusco de primeira, um ponta de lança que sabe que é franzino, mas luta, tem a garra dos maus perdedores e a doçura dos românticos.
E 13:
Sensível nos afectos todos, é um sonhador e tem alma de poeta. O Gonçalo faz anos. Quando ele nasceu...que alegria: um filho rapaz. Pela vida fora, um companheiro único, confidente, espelho e revelação, promessa de um homem como os valores certos, um rapaz extraordinário.
E hoje, 16:
Gonçalo, eu lembro-me bem de quando tinha 16 anos. Foi no pré-histórico ano de 1987, e foi um daqueles anos realmente marcantes, tanto que, hoje, tantos anos depois, eu lembro-me mesmo bem. Fui ali ver aquela espécie de diário que eu matinha na altura, e ao ler-me, li-te. A sério: vou mostrar-te o que ali está e tu vais ver que vais reconhecer-te, tenho a certeza.
Com uma vantagem, à partida: quem tem os 16 anos, ao dia de hoje, és tu. Meu Deus, nem tu imaginas a quantidades de possibilidades incríveis de se ter 16 anos. Nada temas. A angustia adolescente, aquela melacoliazinha sempre a pairar, o não saber o que se quer fazer da vida, a timidez com as miúdas, a capacidade de sonhar sempre ligada, aquela sensação de que os mais velhos não estão bem a ver a tua cena, às vezes.
Sabes que tenho um orgulho enorme no rapaz que és. Tenho mesmo. Tens carácter. É o mais importante , neste PREC (vai ao google) na tua vida.
Parabéns, Gonças. Nem imaginas o feliz que estou neste dia. Por ti e por nós, que construimos o nosso próprio universo particular, e sabemos como ele é vasto e cheio de boas aventuras para viver, que 1987 é quando um homem quiser. 16 anos, lembro-me tão bem.
É bom, vai ser melhor ainda, avança sem medos. Estou aqui sempre. Vai, miúdo.
25 de Abril é um dia tão bonito.
Infantil e sonhador. Limpo e radioso de esperança.
Uma promessa ingénua. Um sorriso só.
Uma falta de preparação para todos os dias que se seguiriam.
Uma coisa átomo. Uma quimera que não sabia.
Em criança, eu já tinha tudo cães. Um rafeiro chamado Bell (por causa dos desenhos animados Bell e Sebastião) e uma cadela Serra da Estrela, que passava temporada lá em casa, de vez em quando, e se chamava Laica.
Eu tinha a memória do cheiro , do toque, da alegria única de um cão ao ver os donos a chegar a casa. Mas, na minha vida adulta, só agora, com 48 anos, é que tenho um cão. O Rio está connosco faz para a semana um ano, é um golden de revista, lindo e pateta como são os cachorros.
Ontem, como acontece sempre que ele percebe que estamos a chegar, fui recebido com o som, alegre e ansioso, do seu ladrar. E lá estive um bocado no jardim, a brincar com ele. Dou comigo a pensar que o Rio; é assim que se chama o nosso cão, faz parte do nosso universo de uma forma definitiva. Parece que sempre fez parte.
E os cães têm realmente uma forma de se entregarem à relação com as famílias de que fazem parte que é encantadora, de cumplicidade incondicional, de perceberem estados de alma, de forma silenciosa ou mais espalhafatosa, e de serem, de repente, essenciais e preciosos no nosso dia a dia.
O Rio é uma alegria, menos quando destrói mais qualquer coisa que apanha ali à pata de semear. É um cão espectacular e tenho a certeza que veio dar-nos, a todos, muito, e que as crianças lá de casa também aprendem com este canino irmão que têm, tornando a sua infância mais rica e completa. Como faço questão de lhe dizer, todos os dias: Rio. Lindo. Cão.
A Comercial faz este ano 40 anos. E inaugura hoje um mini site, dedicado às memórias destas quatro décadas. Conversas com protagonistas de hoje e de outros tempos da Sampaio e Pina, imagens antigas, sons que ficaram para a história. Vai encontrar tudo isto neste mini site, que continuaremos a alimentar de novo conteúdo até 12 de Março, o dia do aniversário. De João David Nunes a Vasco Palmeirim, de Fernando Alvim a Rui Morisson, de Rui Pego a Vanda Miranda, de César Mourão a Miguel Cruz, de Ricardo Araújo Pereira a Filomena Crespo, de Nuno Markl a António Macedo, de Cristina Ferrão a Joana Azevedo, de Júlio Isidro a Margarida Pinto Correia, de Diogo Beja a Herman José...
Muitas memórias para descobrir neste trabalho da nossa equipa digital e de vídeo e claro da equipa da antena da nossa querida rádio, que chega a quarentona em 1º lugar nas audiências.
Estão todos convidados a testemunhar esta magia que está no ar, em casa, no carro e em todo o lado, há 40 anos!
Em Fevereiro de 1990, toda a minha vida mudou. Comecei a fazer rádio, no 7º andar da Torre 3 das Amoreiras, no CMR. E foi quando conheci o Luis Costa. Não podia imaginar que, nos anos seguintes, ele ia ser uma pessoa tão determinante, tão influente na construção deste Pedro que sou hoje. No rádio e na vida.
Foi tantas vezes irmão mais velho como foi pai.
Foi desta dimensão, a nossa amizade.
A sua característica bondade generosa, o seu humor, a sua frontalidade e honestidade, mas também com a sua sensibilidade para perceber quando era preciso só ouvir ou desfazer o drama com uma piadola; o Luis foi um exemplo de carácter, uma escola de ética e de valores que me acompanharão pela vida fora.
A noticia da sua morte, hoje, foi, seguramente, dos mais duros golpes que recebi na vida. E olhem que já tenho uma boa conta de alguns outros que sofri.
O Costa. Não me caiu a ficha ainda, completamente. Andei o dia todo entre a tentativa de me equilibrar e não desabar, meio zombie, como se fica quando se recebe uma notícia destas. Sei que esta dor nunca mais vai desaparecer. Agora está a arder, em chaga. Depois vai abrandar, por vezes até vou esquecer-me que ela existe, distraído pelo bom que a vida ainda vai trazer com certeza. Mas, volta e meia, ela voltará, conforme as memórias a despertem, aqui e ali. São tantas.
As conversas longas sobre a vida, a rádio, a música, o cinema, o futebol. Os almoços no Buzina, no Hélio, ou antes, naquela varanda de restaurantes nas Amoreiras.
As futeboladas de sábado de manhã, em que o seu humor era o maior craque, contagiando todos. Os almoços em Ribamar, naquele restaurante onde serviam o arroz de marisco descascado, regado com João Pires branco gelado. Os 6-3 que vi em casa dele, ele sportinguista ferrenho, mas com tudo a acabar numa jantarada sem sombra nenhuma, que aquilo era uma amizade que estava para lá de derbis, diferenças e, vejo agora, para lá da distância e da cada vez mais larga intermitência nos nossos encontros. A última vez que estivemos juntos foi no Hospital da Cuf, tu em recuperação da delicada e impressionante operação. Guardo, para sempre, o tom da conversa, o som do teu riso, aquele sorriso quando te levei o vinil dos AC/DC,...pergunto-me se chegaste a ouvir. Ou se o disco ficou, como tantas conversas que eu ainda queria ter tido contigo, quieto, em silêncio sem remédio.
O Costa foi um homem muito grande. Eu tive a sorte de o ter como amigo, e vou recordar-lo sempre com grande emoção, enorme respeito, admiração e carinho. Queria que fossemos à máquina do café, ao pé do estúdio de Monsanto, naquele CMR de noites longas e difíceis, e espreitássemos a temperatura do painel da Phillips, lá em baixo na estrada, para poder actualizar a informação no topo da hora.
Voltar a ouvir a tua voz: "São três da manhã, Lisboa não sei quantos graus", o jingle da informação, com a etiqueta "sem nome" na cassete com sincronismo, e tu fazias de Rui Pêgo e punhas o meu nome em som, para eu desatar a ler as noticias que tinha preparado.
Ou nós a rirmos, quando me contaste que ias ter um programa de fim de semana e o nome era o incrível "Rosário, Rosalinda, se fores à praia, leva o teu xaile".
Meu querido amigo, nem imaginas o estado em que nos deixas a todos. Este puto aqui está desfeito. As lágrimas que me correm são só a ponta deste iceberg de profunda tristeza, misturada com a revolta de não termos estado mais vezes juntos, não teres chegado a conhecer as minhas filhas mais novas, não termos estado mais ali um para o outro como antigamente, Porque sei que, ainda assim, estivemos sempre ligados. Só nós sabemos, companheiro.
O Costa foi das pessoas mais importantes da minha vida, e só para o ter conhecido já teria valido a pena ter por cá passado.
Descansa, meu amigo.
Não sei porquê mas acredito que um dia voltaremos a encontrar-nos.
Oxalá
Hoje, ao regressar à corrida, mergulhei numa lista no Spotify, que me devolveu uma das minhas grandes pancas, enquanto adolescente devorador de música: os maxi-singles.
Em 12 polegadas, um single ganhava nova vida. E calhou-me hoje, logo para começar, o incrível Dance Little Sister, do Terence Trent D’Arby. Um monumento funk, que nesta versão mais longa, ganha laivos de James Brown, e, com os falsos finais que tem, eleva a música para um patamar de surpresa e gozo, que me fizeram feliz. Como quando ia à Caixa da Música, em Santo Amaro ou as lojas de discos que havia nas Palmeiras, ou uma que fugazmente existiu ao pé da Igreja, na central Cândido dos Reis, da Oeiras da minha adolescência.
Que viagem!
Ainda hoje tenho lendários maxi-singles: o Let’s Work do Mick Jagger, com o envolvente Catch as Catch Can, no lado B. Ou o histórico Inventor, dos Heróis do Mar, o genial What Have I Done to Deserve This, dos Pet Shop Boys com Dusty Springfield, e com a pérola New Life, no lado B...
Música Doze polegadas, tantos anos depois: tão bom.
Lembramo-nos de coisas pequenas. A unha de leão ao pescoço, com ouro na ponta. Os livros que guardavas na gaveta da mesa de cabeceira e que eu espreitava, às vezes. A mania do café com cheirinho. Aquele fato de treino verde com riscas amarelas. As raquetes wilson de madeira. Sair da Luz 15 minutos antes, por causa do trânsito. As garrafas de vinho Lagoa, com estrelinhas gravadas no gargalo. A voz de trovão. Tu a fumares. Visitas-me em sonhos, muitas vezes, e está bem assim.
Uma pessoa lembra-se de coisas destas, pequenas. O resto é uma rua escura, que se evita.
Terias 80, desde ontem.