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35. É muito,

por PR, em 31.01.25

Amanhã, 01 de Fevereiro, serão 35 anos de carreira. 35 anos depois daquela 1ª madrugada nos estúdios do CMR, 7º andar da Torre 3 das Amoreiras. Não podia fazer ideia do que me aguardava, como ninguém pode sequer supor nada do que o futuro reserva. Eu tinha 18 anos, era o meu primeiro emprego, tinha zero perspectivas ou rede de suporte, estava por minha conta, a fazer-me à vida. Acho que, desde o inicio, houve sempre, sem eu notar, uma espécie de casulo, uma solidão conformada, uma noção de ter pouco a perder porque pouco tinha. Mas uma energia interior, alimentada por uma genuína paixão pela Rádio, que me tinha levado, pelo ouvido, pela infância e adolescência fora, companhia e refúgio e que agora a vida que eu escolhi. Nunca fiz grandes planos, muito menos de carreira. Não antecipei, não previ, não fixei objectivos. Só sabia que queria estar ali, aprender a mexer nos botões, falar ao microfone e soube, desde o primeiro dia, que isso me fazia imensamente feliz E uma pessoa agarra-se ao que te faz feliz, sobretudo se não prejudicar ninguém, a começar por nós próprios. Agarrei-me à rádio. Sem desespero nem aflição, agarrei-me mais como quem abraça, num afago que permaneceu, e que faz com que hoje, 35 anos depois, seja impossível tirar a rádio de mim. E assim será, mesmo quando a Rádio achar que já não sirvo, já não tem paciência para mim ou simplesmente eu perca a energia e vontade, se é que algum dia.

Recordo, com imensa nostalgia, os espaços físicas, rotinas, códigos de relacionamento com colegas, dentro dos ecossistemas que se vão criando em estúdios, redações e salas de produção. Desse miúdo de 18 anos, há coisas que ainda permanecem: o flash de adrenalina boa, sempre que alguma coisa me sai bem numa emissão, o prazer de pôr uma determinada música a tocar e saber mesmo bem, ou a sensação de conseguir tocar a sensibilidade de quem escolhe ouvir-nos, num determinado momento das suas vidas, e esse elo, misterioso e fecundo, que liga duas pessoas que não se conhecem nem nunca se conhecerão - uma num estúdio de rádio, a outra onde esteja a ouvir - ou , a outro nível, apostar no talento de alguém e ver essa promessa boa cumprir-se e superar os limites da nossa expectativa. Mas não nego que gostava de poder reviver certos momentos...um dia no CMR, naquela redação de máquinas de escrever e CD's arrumados e etiquetados , guardados em armários de madeira, os cacifos com nomes no corredor (que orgulho no dia em que ganhei o meu), a alegria quando os mestres que eram todos ali para mim) me davam os parabéns por qualquer coisa que eu tivesse feito, ou simplesmente tinham a generosidade de serem simpáticos comigo. Na timidez que sempre me envolveu (ainda hoje, se não conhecer bem as pessoas, o meu impulso é baixar a cabeça e esconder-me), a rádios abriu-me a disponibilidade para me relacionar, libertou-me a permissão para sorrir mais, arriscar ter opinião ou sugerir coisas, sonhar alto e não ter medo de ser gozado.  Aqueles 3 anos no CMR foram tão marcantes que são os que mais nostalgia me trazem, na verdade. Porque estão mais distantes e porque foram os iniciais, foi ali que tive a sorte de nascer para isto da Rádio. Foi uma sorte mesmo. O euro milhões da vida, que, em tantos outros capítulos demorou, e às vezes ainda demora, em estar pacificada. Na Rádio fui sempre feliz. Ou, não sendo, serviu-me como salva-vidas, para lidei melhor com os dias negros que também tive, e em que me parecia impossível consegui dizer uma palavra sem desatar num pranto, porque a vida ás vezes dói muito, e, no entanto, abri o microfone, e falei. E saiu-me. E foi sempre terapêutico, mesmo quando a alma se rasgava, entre uma canção e um canal de publicidade. Sabe Deus.  

35 anos de uma profissão à qual muitos antecipam a extinção em breve. Não acho. Vai ser só diferente. Mas pessoas a falar com pessoas continua a ser uma proposta poderosíssima. Que consegue sempre desdenhar de algoritmos e IA's que nos apareçam. Rádio com gente dentro, sempre, como uma cruzada em que se avança, destemido e com coragem para o que nos apareça à frente.

Aquela vez em que estive pendurado numa varanda, a relatar a festa de Soares reeleito, num prédio do Saldanha, entretanto em Ruínas. Correr em directo ao lado do Papa Móvel, numa avenida de Lisboa, com a falta de folêgo a confundir-se com comoção. Três semanas a viver em Barcelona, com 21 anos, a cobrir pobremente uns Jogos Olímpicos (hoje faria aquilo tão melhor). Ou estar com a tropa portuguesa na sarajevo de 1993, já com a farda da Rádio Comercial. E com farda fiz noticiários, no final do expediente, na recta final da minha tropa. Sim, aconteceu. O quartel era ao fundo da rua, durante a "peluda". Relatar, atrás da baliza, o penálti decisivo do Rui Costa no Mundial sub20 de 91, num Estádio da Luz com mais de 120 mil. Eu miúdo, a viver aquilo tudo e a dar na rádio. Como ter podido estar em Higbury naquela noite de sonho com o Arsenal, mãos geladas, voz acesa, coração a mil. Deu no Rádio.

Aquela entrevista ao Mia Couto. Aquela outra a Garcia Marques e Saramago, em Madrid, enquanto cobria as eleições espanholas. Ter podido conversar com os U2, os Stones ou os Coldplay. Erickson, Michael Jordan e Magic Johnson, Pete Sampras, Ayrton Senna. Ter estado em palco, Porto sentido, abraçado ao Rui Veloso, ter encontrado o Zé Pedro num dia de anos e ele ter-me oferecido uma imperial e termos brindado, eu muito miúdo, fascinado. Nunca paguei o numero dele. Não sou o único a olhar o céu (ponha mais alto!). Ter juntado num estúdio António Macedo e Fernando Alves. Ou quando convidei para uma inesquecível conversa os lideres da comunidade Muçulmana e Judia em Portugal. E quando demos uma casa a uma família, numa manhã? Ter adaptado um poema ao nascimento da minha 1ª filha e ainda hoje, quase 25 anos depois, me lembrarem, disso. E quando fomos de surpresa ao casamento de uns ouvintes?  Ou quando o Presidente da República ligou a dar os parabéns? E quando a minha irmã me cantou uma música em estúdio, de surpresa. Emissões num cacilheiro, em eléctricos, autocarros, teatros, praças e ruas, lojas, estádios, festivais, e até na minha própria casa.

As recordações são muitas e chegam-me numa corrente imparável e selvagem.

Ter descoberto a alquimia de fazer parte de um Programa da Manhã que, de repente, perceber que havia ali algo especial a nascer. E depois, a grande aventura, no estúdio 6 da Comercial, até hoje, com a equipa maravilha, com quem tive também a oportunidade tão improvável de subir ao palco, e cantar.  Ou aquele noticiário, num 14 de Fevereiro, que comecei com as palavras "Meu amor..."

É curioso viver com olho nas audiências, na ânsia permanente de as ganhar, há mais de dez anos que vivo nessa missão, mas, ao pensar nos 35 anos de vida na Rádio, isso não ter, na verdade, grande importância. Noutro dia, comentava com um colega de uma outra estação, e apercebia-me enquanto o dizia, que o sonho agora era acontecer-me o que lhe aconteceu a ele: darem-me um horário para fazer um programa a meu gosto, e não existir a pressão das audiências. Pelo menos não a obrigatoriedade de ser o mais ouvido.

Na verdade, na essência de quem escolheu esta vida, isso conta mesmo muito pouco, olhando em retrospectiva. É bom, claro, mas não é o mais importante, de todo. Muito menos do que imaginei quando me iniciei nessa fúria de ganhar, como se isso provasse alguma coisa absoluta sobre o nosso valor ou o mérito das nossas escolhas. Claro que sermos líderes há tanto tempo seguido é óptimo, mas nesta data simbólica, a somar todos os meus 35 anos nesta profissão reduzem a questão audiências é quase nada, o que não deixa de ser curioso. Não é esse o ponto, não é aí que reside a magia. Ou o que trago comigo de verdadeiramente valioso desta  viagem que encerra, na verdade, várias vidas. A ponto de olhar para mim e descobrir Pedros muito diferentes, e, no entanto, de certa maneira. o mesmo, desde aquela madrugada de 1 de Fevereiro de 1990. 

35 anos de carreira e a coisa corre bem. Fui fazendo o meu caminho, sem grandes planos, adaptando-me ao que a vida me foi trazendo, com a certeza de que adoro fazer isto e não trocava por nada. Ser Diretor de uma Rádio da dimensão e história da Comercial nunca me passou pela cabeça, exactamente até ao segundo em que fui desafiado. Ser durante o meu tempo que chegamos à inédita audiência foi maravilhoso, não nego. Mas olhar para a marca e dar com estudos que a tratam por Love Brand, é ter certeza de que o mais importante está feito: chegar às pessoas, ser relevante nas vidas de quem ouve, cumprir o desígnio desta profissão: ajudar a melhorar um bocadinho a vida, dia a dia. 

A Rádio trouxe-me os meus 4 filhos. A mulher da minha vida, que também me tornou melhor locutor e líder, não tenho a mais pequena dúvida, fazendo de mim melhor pessoa do que fui antes. 35 anos depois de ter começado na Rádio, é comovente sentir que o mistério permanece. Quando se entra na rádio de manhã, quase ninguém nos corredores, salas e estúdios. Cumprimenta-se o segurança, as senhoras da limpeza, os poucos colegas que chegam antes de mim e já estão a bulir. O silêncio do sono dominante. Todos sabem da sua missão e desempenham-na com a mesma paixão, e o dia a despertar, devagar.

A Rádio é uma coisa que se entranha. É sangue que nos corre nas veias, é ar que respiramos e que nos falta se não estamos no ar, é amor. Rádio é Amor.

É uma industria de pessoas, e por isso, é super profissional mas tem aquela certa pureza do amadorismo, porque lida com emoções e essas não têm categoria profissional, não são business, aqui é sempre uma questão pessoal.  A rádio desenrasca-se, improvisa, arrisca, experimenta, ri-se de si mesma, não se leva sempre a sério mas leva a sério a sua missão. A Rádio é Amor e o mais importante, como no Amor, são as pessoas. O meu querido Luís Costa, meu primeiro, maior e mais brutalmente honesto fã, saudades que doem sempre. Aquelas madrugadas, ele nos comandos da emissão, eu a fazer noticiários para quase ninguém ouviu. Mostrarmos músicas um ao outro, rirmos muito, falarmos de tudo. Sofrermos juntos, quando a vida nos castigou. O meu maior amigo de sempre, eu conheci na Rádio e logo na primeira madrugada em que trabalhei, vejam lá.  É sempre dele que me lembro primeiro, quando este dia chega.

35 anos já é qualquer coisa, parece-me. Não é nada para quem tem 50 ou 60 de carreira, mas acreditem, já há aqui muita vida vivida. Devo tudo à Rádio. A intimidade e proximidade que este meio consegue criar são algo muito precioso e que é preciso proteger. A Rádio está viva e recomeda-se. Não há nada como ela. 

Num estúdio de rádio, em muitos estúdios diferentes, em 35 anos, eu já ri e chorei, já senti que estava tudo perdido e encontrei a redenção.

Sei que ali pertenço, para sempre. 

 

Eu no estudio PB.jpg

 

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6 comentários

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De Anónimo a 31.01.2025 às 14:15

Não tem o botão do gosto, então temos que deixar comentário.
Parabéns Pedro!
É continuar, até porque quando se trabalha com paixão por aquilo que fazemos deixa de ser trabalho.
E por favor, continue a escrever por aqui, tenho muitas saudades dos blogs, da palavra escrita, pensada e ponderada.
Obrigada!
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De INES SOUSA a 31.01.2025 às 15:35

Olá Pedro,
Este Post fez-me emocionar e arrepiar.. Sigo a rádio comercial desde que comecei a trabalhar em 1989.. simplesmente adoro ouvir as manhãs com o Pedro e toda a restante equipa.. e quantas equipas já foram, quantas rubricas, quantos convidados..eu sei lá.. ADORO.. Só para o Pedro ter noção do quanto e já vem há muito tempo, gostava de partilhar uma passagem engraçada, dos inícios da rubrica do homem que mordeu o cão, quando era o Pedro, o Nuno e a Isabel, em meados de 1992 (por aí), então, eu entrava as nove e a rubrica era às 8,50H, então eu esperava que o chefe de serviços chegasse, que também era fã, e ia para dentro do carro dele e ouvia-mos a rubrica.. fartávamos de rir, depois corríamos as escadas acima para começar a trabalhar.. nessa altura comprei os livros que ainda guardo com carinho..
É um gosto e um privilégio dizer que são também 35/36 anos de ouvinte da rádio comercial, a caminhar, a correr, no carro, etc., e nunca me desiludiu pelo contrário, sempre cada vez mais "viciada", se é que se pode dizer assim..
Parabéns Pedro! Continue e continuem, isso também é serviço público!
Vivam a todos!
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De joao azevedo a 31.01.2025 às 16:00

Obrigado Por tudo! Abraço João A.
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De s o s a 31.01.2025 às 23:25

ia dizer que o post te mostra mais humano, mas é tao longo (o texto) que...a ver vamos no 36º aniversario
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De Anónimo a 01.02.2025 às 09:25

Siga para Bingo, rumo ao 36...
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De Anónimo a 06.02.2025 às 16:36

Muitos parabéns Pedro por ter atingido esta idade tão bonita de vida de rádio e um agradecimento muito grande por eu ter passado a gostar mais de ouvir rádio, praticamente todos os dias.
Abraço benfiquista!
Pedro Reis

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