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Hoje, estive morto. Senti que toda a vida se escapava pelo ar que, aflito e a custo, respirava, enquanto as lágrimas eram gritadas, louco no carro, os olhos à procura, à procura, à procura.

Morri, ali.

A minha filha deveria sair da Escola, na Parede, apanhar uma carrinha do ATL e eu ia buscá-la.

O que é que aconteceu? O cartão da escola, que supostamente controla as entradas e saídas dos alunos, valeu zero. Ela saiu, porque viu uma carrinha de ATL e entrou. Era o ATL errado. Ninguém lhe perguntou o nome, não houve uma chamada, nada. Ela entrou com uma colega e só após duas horas de aflição indizível, comigo à procura dela por todo o lado, é que o telefone tocou. De um "After School", a perguntar se eu era o pai de uma Mafalda Ribeiro, que eles tinham, aflita, a pedir para ligarem ao pai. Aliás foi ela que falou: "papá?"

Durante duas horas, morri. Percorri ruas de possíveis percursos, olhei para todas as sombras, parques infantis, supermercados, escola antiga, liguei para os pais de colegas dela, todos os absurdos e horrores passaram pela minha cabeça, chamei o seu nome, entre choro, em ruas e em todos os recantos da escola. Nada. Evaporou-se. Horrível. Uma tristeza, uma aflição, um horror que nunca mais vou esquecer. E quando o telefone tocou e era ela, aquela voz doce da minha princesa, minha vida, meu ar, meu sopro de vida, eu soube o que era renascer. E desfiz-me em lágrimas de novo, e dali até ao tal After School, que teve a minha filha à sua guarda por engano, até ela pedir para ligarem ao pai, levei um segundo e levei toda a vida. Obrigado meu Deus, obrigado! Estacionei às tês pancadas, voei em passo trocado de nervos, pela rua fora, Mafaldinha, Mafaldinha, Mafaldinha, cego de amor aflito, só há descanso e vida quando a abraçar e estiver tudo bem.

Quando a abracei, e ela, agarrada a mim, me disse, apenas: "Olá Papá" eu soube que tinha renascido. E ela também, coitadinha.

Como cartão de visita da nova escola, estou esclarecido. Tantas referências boas e afinal é isto: no primeiro dia, por maioria de razão, deveria existir um ainda mais rigoroso controlo de entradas e saídas, mas quando cheguei o portão estava escancarado, como deveria estar quando a Mafalda viu uma carrinha do ATL a chegar, estava na hora e ela saiu da escola e entrou na carrinha. Ninguém perguntou nada, ninguém fez nada.

E um ATL mete um grupo de crianças numa carrinha, não pergunta nomes, não verifica nada e só ao fim de duas horas é que, perante a aflição de uma criança de 10 anos a pedir para ligarem ao pai é que se acaba com este horror?

Quando penso na forma como desaparecem crianças, para sempre, todos os dias, penso que esses pais e filhos terão sentido isto, e muitos, mesmo sobrevivendo, morreram para sempre.

Eu tive a sorte de poder renascer.

E sei que, a partir de hoje, ganhei uma nova causa: fazer tudo o que estiver ao meu alcance para contribuir para uma Escola responsável, atenta, segura, onde os nossos filhos aprendem e podemos, enquanto pais, estar descansados.

Quando depois desta tarde de horror, fui buscar o pequeno Gonçalo ao colégio e ele me disse, comprometido, "Papá, parti os óculos a jogar à bola" eu disse para mim: que importância é que isso tem? Nenhuma, realmente, não tem nenhuma importância.

Não podia dizer-lhe que o pai hoje tinha aprendido o que é morrer, e tinha tido a bênção de poder nascer de novo.

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506 comentários

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De Patrícia Barbosa a 14.09.2010 às 09:05

Pedro só de ler arrepiei-me toda, e vieram-me as lágrimas aos olhos.
Nem imagino o seu sofrimento.
Felizmente acabou tudo bem, é pena nem sempre ser assim.
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De Rita a 14.09.2010 às 09:06

beijo
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De Mãe Gabi a 14.09.2010 às 09:27

Pedro, nem tenho palavras apenas te deixo um beijo e um x-coração apertadinho....já passou!
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De Charlotte a 14.09.2010 às 09:32

Estou toda arrepiada! Nem quero imaginar o desepero, mas graças a Deus tudo acabou bem. Quem tem filhos nunca mais tem sossego, mas vale tanto a pena.

Bjs!
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De Rita Castro a 14.09.2010 às 09:45

Pedro,
Da pior maneira, o primeiro dia de escola da Mafalda tb foi marcante.
Marcante pela incompetência da escola em que confiamos(ou vamos confiar) os nossos filhos. Marcante pela incompetência dos ATLs, que diga-se de passagem, se pagam a peso de ouro. Marcante pelo facto de ter de ser uma criança de 10 anos a aperceber-se que há algo de muito errado com a situação.

No meio disto tudo, parece que a pessoa adulta e responsável é mesmo a Mafaldinha... Parabéns por isso! E o facto de ela não se ter passado e hoje querer ir pro ATL é de se lhe tirar o chapeu.

A ti, com um caraças, não sei como é hoje a conseguiste por naquela escola... Imagino que tenhas o coração nas mãos... um beijinho, força nisso! Quanto muito sabes que tens uma miuda expectacular e que não se deixa levar em cantigas!

um grande beijinho, hoje de Itália.
hakuna matata
Rita **
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De Isa Carvalho a 14.09.2010 às 09:50

Que sufoco, que horror, que pesadelo!!
Não consigo sequer imaginar o terror de um pai nesta situação.
Tantas regras, tanta publicidade a mudanças quando no fundo tudo se mantem exactamente na mesma ou muito pior.
Os nossos filhos são o bem mais precioso na vida. Quando nascem, naquele momento e a partir daí, tudo o resto desaparece ou passa para segundo plano porque eles tornam-se a nossa vida para todo o sempre.
Quem tem a responsabilidade sobre eles: as escolas, os ATL´S, os jardim escola, enfim tudo o que tem crianças a seu cargo tem de ter a Atenção, o Empenho, o Respeito e acima de tudo a Responsabilidade de cuidar deles na nossa ausencia (tantas vezes forçada pelas circunstâncias de um emprego). É o que vai faltando neste pais, nesta forma de viver e trabalhar: fazer aos outros o que queremos para nós. Faltam vocações, faltam orgulhos naquilo que se faz.
Espero sinceramente que nunca mais aconteça a si ou a outro pai uma situação destas pois como diz é morrer ainda que sobrevivendo.
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De Estefânia a 14.09.2010 às 09:51

Olá Pedro, também tenho um filhote que é de 2000. Tal como a Mafaldinha também entrou para o 5º ano; nova escola, novas descobertas e muitas preocupações para nós pais, que todos os dias ansiamos pela altura em que o vamos buscar ao ATL. Li o seu post com o coração apertadinho e senti / vivi todas as suas palavras e sentimentos. Já passou...
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De Cristina Alves a 14.09.2010 às 10:01

Pedro,

Aconteceu-me algo relativamente parecido estas férias quando deixei de saber dos meus dois filhos de 11 e 8 anos, mais um primo de 5 anos, durante cerca de 10 minutos, enquanto eu realizava um trabalho doméstico e eles decidiram ir explorar os campos agrícolas que circundam a aldeia natal da minha mãe. Só pensava nos poços rasteiros não vedados e desesperei e agonizei até ao momento de ver primeiro o meu filho mais novo e passado mais um pouco ver o mais velho e o primo.
A descarga de adrenalina depois de uma vivência como a sua ontem, é tão forte que acredito que hoje esteja fisicamente dorido como se tivesse levado a maior tareia da sua vida.
Felizmente já passou.


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De jose luis ferreira a 14.09.2010 às 10:02

a única situação parecida por que passei, foi com o meu Tomás, na altura com uns dois anos, num centro comercial. Estava ao meu lado e bastou eu virar-me para ajudar a minha mulher que estava a chegar e o Tomás pura e simplesmente desapareceu. O Pânico e horror felizmente durou breves minutos, mas foram sem duvida, dos piores da minha vida...Deus permita que nenhum de nós tenha que voltar a passar por tal. Nada de facto, como o amor por um filho.
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De Tânia a 14.09.2010 às 10:06

Que aflição. caíram-me as lágrimas ao ler o teu texto!
Felizmente, aqui aplica-se o cliché: "Ainda bem que tudo não passou de um susto!"
Um abraço.

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