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33 anos disto.

por PR, em 01.02.23

No dia em que completo 33 anos de carreira, um nome toma conta da evocação daquele meu primeiro dia: o Costa.
O Luís Costa fazia o painel 2-7 no CMR, e foi a primeira pessoa que me anunciou na rádio, num noticiário do fundo da noite.
Eu não podia imaginar como ele seria tão determinante na minha vida. E de como tenho tantas, tantas saudades dele. A sua absoluta honestidade, a sua coragem, a maravilha que era o seu sentido de humor, a nobreza do seu carácter foram farol para mim, transformando-o numa espécie de Irmão mais velho, que conheci exatamente naquele 1 de Fevereiro de 1990.
Uma vez passei a noite de Natal a fazer noticiários, sem mais ninguém na rádio.
Era uma e tal da manhã apareceu-me lá, com vinho e bolo rei. Ri-me para disfarçar a comoção que o gesto me provocou.
Quando, há dias, morreu Tom Verlaine, foi no Costa que pensei, e de quando ele punha a tocar “Kaleidoscopin’ aos gritos naquele maravilhoso estúdio 1 de porta escancarada, enquanto íamos ao nosso lanche nocturno, junto à máquina do café encarnada, que existia por cima do frigorífico, encostada à janela, ao pé do “estúdio de Monsanto”.
As horas infindáveis de ténis em Alfragide, o jogarmos Doom na casa dele, onde vi ao seu lado os 6-3 (era grande sportinguista) e ele foi um desportista, as futeboladas da rádio em que ele era figura absolutamente central, a sua táctica do alfinete no cigarro para deixar de fumar, as aventuras da sua Tropa na Marinha, a sua gula das sobremesas, o arroz de marisco regado com João Pires, em Ribamar, o seu Ford Cortina onde ainda chegamos a andar, as férias com o JPB e o Markl na Cabeça da Cabra, o meu primeiro casamento em que ele foi um dos padrinhos, a música - meu Deus a música era tão presente na nossa irmandade! - dos Gene Loves Jezebel ao Thunderstruck, dos Ac-Dc, em que, de forma infantil, gritávamos “Sandra” no arranque.
Ele teve um programa de música Country, lá no CMR, chamado “O amigo americano” e tentou, muitas vezes, convencer-me das virtudes das canções de um tal Garth Brooks. Sem êxito. Eu tentei que ele gostasse de música portuguesa.
E por vezes até aconteceu!
O Costa foi uma sorte que me aconteceu. Amigo, amigo mesmo.
Ainda hoje usamos, na rádio, algum software que foi ele que criou! Quando aprovo contratos de locuções lembro-me sempre dele!
Foi a primeira pessoa que me disse que eu tinha jeito para a rádio, e hoje, que faço 33 anos de carreira, coincidindo com o dia em que o conheci, as lágrimas que me caem são as mesmas que me aparecem a cada 26 de Dezembro, o seu dia de anos.
Nunca apaguei o teu número, Luís, nunca consegui.
E hoje lembrei-me muito de ti, precisava tanto de um dos nossos almoços, ali no Buzina.
Não sei o que acontece a seguir, quando partimos, mas gosto de pensar que há dias em que consegues ouvir-me a dar na rádio, e só dizes “Tá tude!”, uma das tuas expressões que me ficaram até hoje.
Obrigado por tanto, é o que eu mais queria dizer-te, em podendo. Este puto que fazia aquelas peças às 5:20, no teu painel, com notícias de fait divers que não cabiam nos noticiários, tem saudades tuas. Muitas.

33 anos de Rádio, hoje.

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Hoje mergulhei numa história que queria, há muito, conhecer. Eu devia ter cursado História, porque este fascínio de olhar para o tempo que foi, e seguir as pistas que explicam o hoje, é algo que sempre senti. A ideia de procurar o caminho que me trouxe à vida, quem foram aqueles que estão para trás, o que faziam, eram de onde, o que fizeram. E eis que o Luis Varela, que faz o favor de ser meu ouvinte, decide oferecer-me esta investigação.

Ele tem um site, https://www.aminhafamilia.pt/, e é este o seu trabalho: escavar na memória que está guardada em arquivos, mas também em dioceses e paróquias, cá e lá fora. Nomes, nascimentos, batizados, casamentos, divórcios e óbitos. E tudo que se possa obter das entrelinhas de tudo isso. Fascinante, digo-vos, esta coisa de ser um arqueólogo de vidas vividas.

Eu, que nasci em Lisboa, é com emoção que descubro raízes minhas não só nesta região, mas também em Tábua, na Covilhã, em Castelo Branco, em Estarreja, em São Pedro do Sul, em Góis, em Arganil. E há filhos de pais incógnitos, há gente muito pobre, que viveu com enormes dificuldades, há antepassados que foram serventes, um linotipista (tive de ir ver o significado, sim), um eletricista, houve camponeses e vendedores de jornais, uma costureira, houve tecelões. Não há registo de um médico, um engenheiro, um advogado.

Até ao que é possível recuar, até meados de 1700, este caminho que veio dar a este Pedro, e continuará, em primeira instância, pela Mafalda, a Maria, a Carminho e o Gonçalo; é um caminho que percebo sofrido e duro. Sei que, aos meus filhos, deixarei um caminho mais desanuviado, com outros horizontes e possibilidades. Mas sempre com máximo respeito por todos os que nos antecederam, por tudo o que passaram, pelas dificuldades com que tiveram de lidar para sobreviver e passar o seu testemunho a cada geração seguinte.

Aqui estou, à beira dos 50.

A vida encontra sempre um caminho.

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20, Mafaldinha, 20 !

por PR, em 14.07.20

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Dá-se o caso de ter uma filha com 20 anos. E dou comigo a sentir muita coisa, ao mesmo tempo. Uma descarga de memórias, em flashes curtos, de muitos momentos diferentes, destes - meu Deus! - vinte anos. A Mafaldinha. 20 anos, hoje. A minha Muffy, que só dormiu uma note inteira já tinha bem mais que um ano. A minha primeira filha, que sempre foi de uma meiguice muito dela, desde os tempos em que alinhava bonecada no chão da sala, distribuindo imaginários almoços e jantares, até aos dias de hoje, em que, com a mesma doçura, me diz que teve 16 num exame da faculdade. Não estou a conseguir processar, a verdade é essa, tudo o que estou a sentir, com este 14 de Julho, confesso. Vinte anos é um numero redondo, de entrada na definitiva idade adulta, este comboio partiu e vai deixar de parar em todas. Para mim. Também me mostra, sem clemência, que o tempo está a passar, e a passar com vertigem. Um dia, tinha ela uns dez anos, estive mais de uma hora sem saber onde estaria. Percorri ruas e lugares onde ela pudesse estar, e nada. Um pânico de perda iminente que me marcou para sempre. Nesse dia, escrevi que tinha aprendido o que era estar morto. Um arrepio estranho atravessa-me o espírito, agora mesmo, ao pensar no que teria sido a nossa vida, se. Que pensamento tão tenebroso, tão horrível, e logo, o alivio a seguir. Ela aí está. Faz 20 anos, hoje. E dou comigo infinitamente grato, com a mesma emoção com que ouvi, nesse dia, a inquieta voz dela, no telefone, no fim da maior das angústias, a dizer:“Pai”. Minha querida Mafaldinha. A irmã incansável que ela é, do seu companheiro maior Gonçalo, às manas Maria e Carminho e aos irmãos novos que a vida lhe deu: Kiko e Miguel. É comovente perceber como todos a adoram, como ela é uma referência que eles têm, de brincadeira, carinho, ternura infinita. Admiração que sentem e ainda não se apercebem, mas está nos gestos, na forma como a olham, como correm para ela quando ela chega. Quando crescerem vão, de certeza, dar o devido valor em terem nela a sua irmã mais velha. Em todos os anos, em todas as etapas de escola por onde passou, nunca ouvi nenhuma descrição dela, da parte e educadoras e professoras, que não fosse genuinamente enternecida. Toda a gente a adora. Que orgulho. Que emocionante é este dia. A Mafaldinha faz 20 anos. Sensibilidade muitas vezes calada e recolhida, igual a mim nisso, mas de lágrima fácil outras vezes - igual -, sentido humanista da vida, respeito absoluto por valores como a Liberdade, a Justiça, a Igualdade de Direitos, a Sustentabilidade. E o sonho de percorrer mundo, conhecer mais, sempre. Estuda nutrição, tendo decidido, sozinha e muito cedo, que não ia comer mais carne. E manteve-se firme, sem vacilar. Ei-la que entrou na vida académica, abraçando comissões de praxe e vestindo traje, mesmo quando está um calor de verão fora de época. As viagens, manhã muito cedo, ora em sonolento silêncio, ora a ouvir músicas e na conversa, de casa ao Marquês, para apanhar metro para a faculdade. Vou sentir tantas saudades destas boleias. A Mafaldinha faz 20 anos. Nasceu de demorado parto, eu estava uma t-shirt cor de laranja dos Garbage vestida, e lembro-me de ter saído da maternidade e ter ido à rádio, adaptar livremente um poema de Ary dos Santos para os filhos do Fernando Tordo, à chegada dela ao mundo.
(…)

Um filho é ver-se um homem prolongado
no mundo da verdade em que nasceu
um filho é ver-se um homem atirado
das raízes da terra para o céu.
Eu tinha uma carrinha Volvo, cinzenta, e vim pela A5 até casa a apitar ligar 4 piscas de euforia, enquanto gritava o “Espalhem a Notícia”:
“Depois de entre os escombros
Ergueram-se dois ombros
Num murmúrio
E o sol, como é costume, foi um augúrio de bonança
Sãos e salvos, felizmente
E como o riso vem ao ventre
Assim veio de repente Uma criança”
 
 
Depois cheguei a casa, emborquei uma garrafa de champagne, sabor a pêssego (verdade!) , que por lá estava, liguei ao meu amigo Luís Costa e fomos festejar, bebendo um copo numa varanda de um bar na Marina de Cascais. mal eu imaginava que o centro da minha vida se instalaria em Cascais, muito anos depois. E hoje passam 20 anos desde essa sexta-feira. A Mafalda, que atravessou as tempestades adjacentes à sua existência, com uma inata sabedoria, que parte de uma capacidade rara de observar e adaptar-se, que parece que vir do fundo dos tempos. A maior cúmplice e companheira da mãe, figura central na vida de todos nós. Olho para as fotografias destes anos todos, desde as primeiras, com ela bebé (foi uma bebé tão gira - e aqui comovo-me, sim), foi uma criança alegre, uma miúda que recebeu o irmão com um amor instantâneo avassalador e perene, olho para estas imagens, ano após ano, e reconheço-a, em cada idade, contexto, em cada pedaço de vida vivida, numa constante de confiança impossível de abalar. a Mafaldinha, porto seguro, ser de sonhos e de sorriso que vem da alma. É um tesouro que se guarda com a certeza de ser tão precioso como a vida em si mesma. Noutro dia, íamos de viagem, e vinha com o Gonçalo e a Maria, a cantar musicas dos filmes da Disney que ela via em miúda. Kenai & Koda, Mulan, Rei Leão…e ela ali a cantar, toda contente. Só muito depois, viemos a saber que ela estava angustiada com um problema dela. Mas foi generosa ao ponto de puxar pela alegria de estar comigo e aqueles dois irmãos no carro, para arrumar a tristeza dela a um canto, e cantar, feliz pela estrada fora. Achei isso tão bonito. 20 anos de ti, minha querida Mafaldinha, meu amor! Das coisas que mais satisfação me dão é assistir, deliciado, à relação de cumplicidade que ela e a Rita construíram. Estão na vida uma da outra há quase dez anos, sei que construíram um universo delas, só delas, que é encantador, aos meus olhos. Tão bom. A Mafaldinha faz 20 anos hoje. Tinha-lhe prometido, ao longo de anos e anos, que, quando ela fizesse 20 anos, e tendo nascido no dia da Tomada da Bastilha, festejaríamos em Paris. Fazer 20 anos, e ser este desgraçado ano de Pandemia, trocou a voltas a todos os planos, mas tenho a certeza que vai ter um dia muito muito feliz. Ser feliz é estarmos juntos. Todos. Sei que hoje vou comover-me muito, a olhar para a mulher em que a minha Mafaldinha está a transformar-se. Uma miúda que vibra com roupa, maquilhagem, música, brunch, praia, Rio de Janeiro, a família, o namoro mais longo do que a idade dela -e dele - faria adivinhar, a permanente ânsia de viajar, conhecer mundo e mundos. Uma miúda de leituras, de banhos de sol, de dormir até tarde, de ter pouco jeito para arrumar o quarto, mas muito jeito para fazer panquecas, que cada um é para o que nasce. Quem fizer parte do seu mundo, pode dar-se por feliz.
Mafaldinha, 20 anos, hoje.
Parabéns, meu amor

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1987.

por PR, em 28.06.20

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Ontem, enquanto regava o jardim, estive a cantarolar umas músicas, que o shuffle do Spotify me foi lançando, aleatoriamente. 

Numa lista a que chamo “Tugas para eu cantar”, calhou-me uma música que eu não ouvia, seguramente, há mais de dez anos. Fiz esta playlist pensando em canções portuguesas de que gosto, das mais recentes a outras mais antigas, mas o algoritmo ainda não me tinha brindado com esta faixa do disco “Terra Firme”, dos Trovante: Trata-se de um disco fundamental na minha vida, devo dizer. É de uma banda que, goste-se ou não - e eu sempre gostei muito - não tem nem o mais remoto paralelo nos dias de hoje. Bons músicos, uma voz carismática, excelentes canções, juntando raízes tradicionais portuguesas e a busca permanente de modernidade pop, servida por um cuidado permanente com as letras, muitas vezes recorrendo a poetas maiores da literatura portuguesa. Claro que podemos apontar o escândalo de todo um colectivo - todo! - de meias brancas, na capa do disco. Mas isso é mais uma demonstração de que todos nós somos, vistos à distância de uns anos, bastante risíveis. 

E voltar a este disco, por causa da canção “Sinais”, que termina com o seu solo de saxofone de época; levou-me ao ano do disco. E lembrei-me que há anos que, realmente, nos marcam mais dos que outros. 1987 foi há muito tempo. Mas, em mim, foi ontem, em muita coisa.

No sentido de que me lembro, com notável nitidez, de sítios, pessoas e coisas que me aconteceram. Mais, muito mais, do que coisas que aconteceram bem depois.

A minha avó Dulce ainda era viva, em 87. A passagem do tempo também são dores novas que aparecem. E ficam. Vão ficando.

Em 1987 eu tive 16 anos. E um fato de treino da Le Coq Sportfi, verde e preto. Que eu combinava com os primeiros Nike que tive, completamente brancos, que eu adorava, e que usei até muito para lá dos limites.

Pensar em 1987 é pensar em discos que me apareceram nesse ano, e se plantaram em mim para sempre, como pedras basilares do adulto que viria a ser: Fui googlar a lista agora, e impressiona:

Clutching at Straws, dos Marillion. Actually, dos Pet Shop Boys.  Sign o’The Times, do Prince. Joshua Tree, dos U2. Tunnel of Love, de Bruce Springsteen. Kiss Me, Kiss Me, Kiss Me, dos Cure. Kick, dos INXS. Bad, do Michael Jackson. Faith, de George Michael. Introducing the Hardline According to Terence Trent D’Arby. The People Who Grinned Themselves to Death, dos Housemartins. A Momentary Lapse of Reason, dos Pink Floyd. Nothing Like the Sun, de Sting. Hysteria, dos Def Leppard. Apetite for Destruction , dos Guns N Roses. 

A coletânea Substance, dos New Order. 

E também: Circo de Feras, dos Xutos & Pontapés. Mar D’Outubro, da Sétima Legião. O icónico Os Dias da Madradeus, dos Madredeus. O disco Rui Veloso (que era para chamar-se “Os bês pelos vês” - ou o contrário, nunca sei -. 

E, claro, o tal Terra Firme, dos Trovante.

Não foi um mau ano!

1987 é estar sentado na escada de mármore, que dava entrada à Praceta de Nampula, lá em Oeiras, à conversa com amigos. É a primeira namorada, uma baixinha queridissima, portuense emigrada, com quem troquei cartas enamoradas no verão, enquanto ela passava férias com os pais, na Madeira. O pai tinha um Renault 11 azul, e ela morava na Praceta de Sofala, para onde dava o r/c onde eu vivia com os meus pais. Em 1987 o meu pai ainda era vivo, e os meus filhos ainda eram pó de estrelas. 

Eu tinha 16 anos e já era obcecado por rádio, gravando cassetes à procura de músicas mas também dos jingles, que já era matéria que me fascinava. Tenho essas cassetes algures.

1987: o ano das primeiras férias a acampar em Ferragudo, com os meus três amigos mais antigos: o Manel, o Zé e o Pedro. Fomos na Rodoviária, a enjoar, numa abafadissima viagem. E a praia dos Caneiros ficou, para sempre, a minha praia mais especial do Algarve, com aquele rochedo ao fundo, e a praia de nudismo ao lado, onde só se chega nadando, quando a maré sobe.

Tudo fez deste ano de 87, uma fronteira bem definida, um antes e depois, dentro de mim.

O ano do primeiro beijo, o ano da ida para o Liceu de Oeiras para uma turma onde me apresentei de blusão Mike Davis com enchumaços, gel no cabelo, ténis diadora, e encontrei a melhor turma que já tive. 10ºQ e 11ª F (Sim ainda sei). Alguns dos amigos que fiz na altura ainda hoje estão por perto, nos meus dias. 

1987, a primeira vez que vi Xutos, Rui Veloso, Trovante, GNR, em concerto.

A praia era a de Santo Amaro, ali a meio, entre o Saisa e a do povão em frente ao Restaurante Pérgola, que é hoje um McDonalds. 

O meu pai tinha um Datsun 120 Y branco. O meu pai era um pesadelo. Mas 1987 conseguiu ser um ano tão bom! Eu tapava os ouvidos e havia sempre um dia seguinte. E os dias de 1987 deram-me amparo e alento, de cada vez que saia de casa. Foi nesse ano que me apareceu o meu grupo de amigos, lá em Oeiras, e, com essa malta, as noites passadas entre o Pelourinho e o Jardim de Oeiras. Conversas infinitas. As idas ao Shopping das Palmeiras. E ao fogo de artifício das festas de 7 de Junho. A ideia de ter 16 anos e remeter para 1987 não tem nada a ver com os 16 anos de hoje, com telemóveis, redes sociais, playstation, netflix. 

Ter 16 anos na altura, que coisa tão boa. Há uma certa ternura, de cada vez que penso nesses tempos.

Tenho quase 50 anos. E, em compensação, quando penso nisso, há um certo desconforto. 

Em 1987 tinha 16 anos e foi um ano mesmo mesmo importante. Eu tinha um dossier, que está aqui à minha frente, um daqueles dossiers de argolas, com folhas A4 pautadas. Não era um diário, mas nele deixei memórias escritas que hoje dou graças a Deus por não ter deitado fora ou perdido.

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Quando ouço as músicas de 1987, é aquele viagem boa. As nossas festas, em casa do Pedro ou da Silvia, com direito a convites manuscritos e fotocopiados. Festa Flirt e Festa Catch, vi agora aqui no tal dossier. 

Gostava de poder encontrar aquele Pedro que eu era, em 1987, e ter uma conversa com ele. Gostava de ouvir o que ele teria para me contar. Queria ouvi-lo. E tranquiliza-lo. Dizer que ia demorar a ficar bem, e fazer imensos disparates, mas que ia acabar por ficar bem, sim. 

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Da música.

por PR, em 17.04.20

Pediram-me para destacar alguns discos que me marcaram. Saiu isto. Ficaram de fora mais uns 50, mas, um dia volto a isto.

Alchemy

Dire Straits

Edição original: 1984

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No verão de 1983, uma banda comandada por um virtuoso da guitarra, com uma fita na testa à John McEnroe apresentou-se para duas noites de desvario no lendário Hammersmith Apollo, em Londres. Menos de um ano depois, um amigo meu, que morava num cantinho da Praceta ao lado da minha, e que era louco por livros do Lucky Luke, do Spirou e por música, pôs a tocar, na aparelhagem Grundig do pai dele, uma guitarrada de um tema chamado Sultans of Swing.

“Olha aqui, o que este gajo faz com a guitarra”, dizia o Mário, fascinado. E nós ali a ouvir, pela primeira vez, o hoje mítico duplo álbum dos Dire Straits, que tinha essa malha mas também Private Investigations, Tunnel of Love ou Romeo & Julliet, entre outros hinos.

O disco atingiu-me com o poder de uma revelação que nos é feita e que determina um antes e um depois. Volto muitas vezes a este disco. Lembro-me que, na altura, eu, com 13 anos, viria a auto designar-me verdadeiro fã dos Dire Straits, porque não tinha descoberto esta banda com a manada que veio atrás do Brothers in Arms (que aliás adoro). Mas era aquela vã fanfarronice de miúdo que depois, pela vida fora, encontrei muitas vezes em gente crescida, nomeadamente dentro deste universo da música.

Curiosamente, das vezes que vi a banda ao vivo, nunca me entusiasmaram, ficando a léguas da energia deste disco. 

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Getz/Gilberto

Stan Getz e João Gilberto feat. António Carlos Jobim.

Edição original: 1964

 

Ainda dizem que os primeiros dias da semana são os mais difíceis. Aquela 2ª e aquela 3ª feira de Março de 1963 foram primavera antecipada. Sim, este disco seminal foi gravado em dois dias. 

A 18 e 19 de Março de 1963, juntou-se num estúdio em Nova Iorque, uma turma rara, um daqueles elencos de sonho tipo Lennon-McCartney-George-Ringo mas numa latitude sonora completamente diferente. Estes Beatles da bossa nova eram João Gilberto, António Carlos Jobim e o saxofonista de Filadélfia, Stans Getz, mais a voz de água de côco, sombra fresca num dia de calor e caipirinha malandra e sensual de Astrud Gilberto. 

Esta malta insuspeita gravou então um disco que se atravessou na minha vida muito mais tarde, a partir dos anos 90, para ser exato. 

No CMR - Correio da Manhã Rádio - encontrei, certa noite, este álbum. Estava pousado à minha espera, num estúdio de produção, ao fundo do corredor onde estavam os nossos cacifos. 

Pus a tocar. O prato era um Technics e as colunas eram de um poder que eu acho que até as respirações do João Gilberto se ouviam naquele sétimo andar das Amoreiras.

É uma obra tão presente em todas as fases da minha vida, desde então, e em circunstâncias tão diferentes, que se pudesse levar só um disco para uma ilha deserta, acho mesmo que seria este. A elegância dos arranjos, a malandrice meia Baiana meia Carioca nas letras, no tom, no universo que as canções criam, na respiração que trazem. Tudo aqui é superior e eterno, numa simplicidade genial, só ao alcance de artistas que não têm nem sucessores nem sucedâneos. 

A Garota de Ipanema, Desafinado, Corcovado…como nunca mais. Essencial.

  

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Misplaced Childhood 

Marillion

Edição original: 1985

Nunca julgar um livro, ou neste caso, um disco, pela capa. 

Está bem. Mas neste caso, que diabo, tudo começou por aí mesmo. Como viria a perceber depois, quando dei comigo a consumir toda a obra dos Marillion, a questão das capas do ilustrador Mark Wilkinson era parte integrante da mitologia da banda, na fase Fish (a melhor).

Sim, dirão os fãs de Peter Gabriel…no principio era o Genesis. 

Ok, mas eu tinha 14 anos e nunca tinha ouvido Genesis, quando dei com este disco, primeiro com o single Keyleigh, na rádio e, depois, ouvindo de fio a pavio (um disco conceptual, sem intervalos entre as músicas, uau!) este LP, cujas canções sei de cor até hoje. Aqui há uns anos, um razoavelmente decadente Fish apresentou-se, barrigudo e surpreendentemente bonacheirão, num concerto de tributo a este disco, na Aula Magna.

Confesso que chorei.

Este disco é absolutamente fundamental na minha vida. Sou eu a debater-me com a minha adolescência, com a minha vivência em casa, num dia a dia cheio de sombras, sou eu a sonhar com aventuras longe, sou eu a fazer de cantor, na minha sala, de phones do meu pai nos ouvidos, a sonhar. 

Sou um fanático por toda a obra Marillion da fase Fish, e até gosto de algumas coisas posteriores. Mas este disco é o pináculo de uma banda virtuosa e honesta, na forma como se dirige aos fãs, e se mantem no seu rumo, apesar de ventos e marés. Misplaced Childhood está para mim como certos filmes, no sentido em que, se damos com um na televisão, ficamos a ver, por mais vezes que já tenhamos visto antes.

Assim é quando ouço falar francês e me lembro da frase “J’entend ton coeur”.

 

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From Langley park to Memphis 

Prefab Sprout

Edição Original: 1988

 

Durante os meus 30 anos de carreira, tenho lutado contra vários tipos de preconceito. Um deles é o preconceito contra a pop mainstream, que grassa por critica e músicos, desde tempos imemoriais.

Muitos dos temas mais marcantes da minha vida são de uma pop tão pueril como “Clouds across the moon” da Rah Band ou “Souvenir” dos OMD. 

Ou “Robert de Niro’s Waiting” das Bananarama ou “Nó Cego” dos Jáfumega.

E este disco de 1988, dos Prefab Sprout, entra para o altar da minha Pop de devoção. 

Paddy McAloon, génio e louco, é um artesão obsessivo pelo detalhe, na composição de canções pop, numa categoria muito particular; canções que só os ouvidos mais desatentos poderão considerar pop levezinha e, logo, descartável após algumas utilizações.

Nada mais errado, como este disco mostra. As letras espertas, muito para lá daquilo que parece à primeira vista, a elegância dos arranjos (Nightingales ou Hey Manhattan! são exemplos definitivos desta genialidade), a coerência das canções agrupadas num alinhamento de uma dúzia de balas de algodão doce, mas, aqui e ali, com um twist.

Stevie Wonder e Pete Townsend alinham neste disco extraordinário, ao lado de uns Prefab Sprout que vinham de conhecer o estrelato das tabelas de vendas e do Top of the Pops com “When Loves Breaks Down”, do disco anterior, Steve McQueen.

A vida foi madrasta para Paddy McAloon, que sofreu graves problemas de saúde nos últimos anos. Tendo estudado para padre, antes da música o resgatar, a sua relação com o divino atravessa o disco “Jordan the Comeback”, por exemplo (outra obra prima), mas neste From Langley Park… tudo é ironia, bom humor, desprendimento e grandes canções.

I Remember That. 

Para a vida. 

 

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Behaviour
Pet Shop Boys

Edição Original: 1990

 

Acima de tudo, a faixa que abre o disco: o genial Being Boring. Atenção que isto é território sagrado, para mim, na medida em que está num top 3 das canções da minha vida. Um tratado sobre crescimento, medo das etapas que nos aparecem, uma certa nostalgia sempre presente, uma inevitável melancolia.

Sou fã dos Pet Shop Boys desde sempre, e uma das minhas grandes mágoas, enquanto amante de música, é nunca os ter visto ao vivo. A obra deste duo tem algumas canções tão absolutamente extraordinárias que é, para mim, incompreensível, como não é cristalina para toda a gente esta minha certeza: estes tipos são geniais, príncipes da pop com um pé na dança e outro no deboche, mas mantendo a pose, sempre. Neil Tennant é, a meu ver, um mestre das canções pop e, depois de anos a fio a dominar as tabelas de vendas e de airplay, ver os Pet Shop Boys quase como alternativos, acaba por ser uma ironia à altura de canções como “Left to my own devices”, por exemplo. Mas esse já é outro disco.

Este “Behaviour” eu ouvi repetidamente, numa época em que fazia noticiários de madrugada, numa rádio local, em Lisboa. Sozinho, noites a fio na redação, e depois no autocarro e comboio a caminho de casa, com o dia a nascer. Este disco é um Outubro chuvoso, mas épico e solene, aos meus ouvidos, em “My October Symphony”, cabeça encostada à janela, na carruagem quase vazia. 

É uma balada pop à medida de Robbie Williams, mas que só muitos anos mais tarde ele haveria de cantar, “Jealousy”. É “So Hard”, a pop que já vinha de “Introspective” “Actually” e “Please” , os discos anteriores, todos eles excelentes.

Só que este disco tem “Being Boring”. Numa altura em que eu já era um chato, foi importante perceber que isso não é para sempre. Ou antes, é. Mas faz uns intervalos, tal como se explica no título de outra musica deste disco, com ironia: “How can you expect to be taken seriously?”

 

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Na Vida Real

Sérgio Godinho

Edição original: 1986 

 

 

“A Lisboa que Amanhece” estava tocar na TSF, ainda a rádio jornal era pirata. Eu ouvi e fiquei com a frase “Não sei se dura sempre esse teu beijo…”

E, como sempre acontece quando me aparece uma qualquer música que, de alguma maneira, me toca, comecei à procura. Eu andava no 10º ano, no Liceu de Oeiras. Não havia cá internet, nem shazam, nem sitio nenhum onde, num segundo, uma pessoa conseguisse perceber de onde vinha um som novo qualquer que nos chegasse. 

Até então, Sérgio Godinho era, para mim, não mais do que um single que a minha avó Dulce, veterana das festas do Avante, tinha lá em casa, era eu criança: “Hoje é o primeiro dia, do resto da tua vida…

Com este disco, “Na Vida Real”, que finamente comprei, numa das duas lojas de discos que havia no Shopping das Palmeiras, já não me lembro qual, descobri um compositor que haveria que marcar a minha vida para sempre. Uns anos depois, já eu trabalhava na rádio, fui ver um espectáculo dele, no Instituto Franco Português, que deu origem ao disco “Escritor de Canções”, e bebi daquela lírica toda, tão rica. Lembro-me que saí e no dia seguinte comprei bilhete para ver outra vez. 

Toquei-te no ombro, e a marca ficou lá?” Caramba!

“Na Vida Real” começa com uma canção extraordinária e que, das dezenas de vezes em que já vi o Sérgio Godinho ao vivo, nunca tive a sorte de ver cantar: “A Definição do Amor”, e depois vai por aí fora: do remake do “Pode alguém ser quem não é” a “Isto anda tudo ligado”, passando pelo “Carteiro” (Original do Conjunto António Mafra, e aqui com Rui Veloso como parceiro) indo desaguar no genial “Fugitivo”, este disco foi a porta aberta para todo o resto da obra.

E gosto especialmente dele porque, para mim, este disco “nasceu” na Rádio. 

 

 

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Rui Veloso

Rui Veloso

Editado em 1986

 

O disco que era para chamar-se”Os Vês pelos B’s” (ou o contrário, não sei bem), acabou por se chamar, simplesmente, Rui Veloso.

Eu já tinha decorado todas as letras do Ar de Rock, Fora de Moda e Guardador de Margens, quando um amigo me mostrou o disco onde apareceram os Portos: o Covo e o Sentido, Mas o disco é muito mais do que os seus maiores sucessos. Estão aqui canções que ajudaram a criar a lenda da parceria única e irrepetível: Veloso-Tê.

A Origem do Mal, a Valsinha das Medalhas, o Cavaleiro Andante, o Negro do Rádio de Pilhas, a Beirã ou o Champanhe. Um disco em que nenhuma canção é ao lado. É uma colheita em que cada bago de uva é néctar, Desde a primeira vez que ouvi este disco, houve outra canção que eu adorei, e que se chama Directo à Cabeça. Jamais consegui ver o Rui a cantar isto ao vivo, mas acho a letra e o balanço da canção incríveis. Adoro-a e está na minha lista de canções da minha vida. (Mas aí, o Xôr Gaudêncio tem algumas mais) 

Este disco é, pois, a tal dupla no seu melhor, antecipando profícuos anos que viriam depois com o épico Mingos & os Samurais ou o extraordinário, e injustamente sub avaliado, a meu ver, “Auto da Pimenta”.

Este disco é a afirmação de um Rui Veloso maduro e maior. Um disco que acabou por ficar, talvez, um bocadinho na sombra, face ao reluzente brilho e gigantismo do tal Mingos & os Samurais, mas eu continuo a achar que é dos melhores da sua carreira. Para mim, teve um impacto tremendo, que me levou ao Pavilhão do Paço de Arcos em 1986 a ver o Rui Veloso pela primeira vez. O bilhete tinha o logotipo da Longa Vida. 

Concluo hoje, tantos anos depois, que eu sei mais letras de cor de canções dele do que ele. 

Foi com este disco como base que fiz, com uns amigos, num quarto andar da praceia de Nampula, em casa do meu amigo Pedro, teríamos uns 15 ou 16 anos, o meu primeiro programa de rádio, ao qual chamámos, pomposamente, “A Antologia do Som”. 

O que eu dava para deitar as mãos a essa cassete!

 

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Sign O’ The Times

Prince 

Edição de 1987

 

Em casa de uma amiga da adolescência, a Sílvia, o nosso grupo de amigos reunia-se para jogar, ouvir musica, conversar e, em alguns casos mais afortunados, namorar. 

Ora acontece que a Sílvia tinha, e tem, Graças a Deus, um irmão. No quarto desse irmão mais velho, havia algo que, apesar de ser declarado território proibido para nós, me atraia de uma forma irremediável: uma aparelhagem de som incrível e meia dúzia de discos que acabaram por me marcar imenso. Hugo, se estás a ver isto, ficas a saber que foi no teu quarto, sem que tu lá estivesses ou desconfiasses, que ouvi, pela primeira vez, por exemplo, “Introducing the Hard Line, acording to Terence Trent D’Arby” ou “Kick” dos INXS. 

Dois discos que podiam perfeitamente figurar nesta lista, aliás.

Mas também foi ali que dei com uma capa em tons amarelo e laranja, com metade do rosto do enigmático, genial, desconcertante e provocador Prince.

Eu já tinha, em casa, o disco Parade, e adorava o Sometimes It Snows In April, o óbvio Kiss, Girls & Boys ou o minimalista Do U Lie.

Mas “Sign o’ the times” foi uma explosão para os sentidos. Ali havia a festa do Funk, a sexyness do Rock, a malandrice da Pop mais inspirada que jamais ouvira. O meu fascínio pela obra de Sua Majestade, Prince, começa verdadeiramente neste épico duplo LP. 

Vai de U Got the look a Housequake, vai de Starfish & Coffee a Hot Thing. Tudo o que aqui reluz é ouro mesmo. Original, nunca antes feito, e soa como mais nada soa. Tão bem. O balada Slow Love, o revolucionário If I was your Girlfriend, o eletrizante I could never take the place of your man, o confessional The Cross

Este disco não era só música. Não foi só música para mim, isso é certo. Desde a historia do tema titulo e daquilo que ele contava, a tudo o que as letras, a atitude e os caminhos musicais para mim absolutamente revolucionários que ali encontrei…este disco foi um abre olhos. Foi o meu despertar para a consciência da existência de outras maneiras de sexualidade e amor. E para a ideia, que ficou para sempre, de que tudo o que importa é justamente o Amor e não a forma que ele decide tomar.  Ainda há quem não aceite ou entenda o que quer dizer a frase  “a cantiga é uma arma”. Então não é! 

Este disco foi mais do que uma arma, foi uma bomba atómica, em bom, para o jovem Pedro que eu era. Um disco que eu adoro e venero, até hoje.

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Achtung Baby

U2

 

Editado em 1991

 

Vamos esclarecer já isto: eu adorava e adoro ainda hoje, tudo o que já cá estava antes: Rattle & Hum, Joshua Tree, Unforgatable Fire, Under a Blood Red Sky e por aí fora. Mas há um dia em que alguém nos chama a um dos estúdios do CMR - Correio da Manhã Rádio - onde trabalhávamos, e põe a tocar o vinil descaracterizado que tinha acabado de vir da editora, dizendo: já ouviram a nova dos U2?

O centro daquele vinil dizia, escrito à mão: “The Fly”, U2.

Tendo em conta que os U2 já eram a maior banda do mundo, parecia existir pouca possibilidade de sermos surpreendidos. Até aquilo começar a tocar. O que era…aquilo?  O que diabo era…aquilo?

Lembro-me de ter dito, estupidamente, qualquer coisa como “È pá, não curto nada!”

Só que dei comigo, horas depois, a cantarolar, assim do nada…”It’s no secret that the stars are falling from the sky…

Quando chegou o álbum, lembro-me que fui mais cedo para a rádio, fechei-me num estúdio e mergulhei, com o som aos gritos, neste mundo novo e viscoso que nada tinha a ver com Where the Streets Have No Name ou Sunday Bloody Sunday.

Mas tinha uma lascívia e um desencanto que tornava os U2 mais…verdade. Havia ali um desespero de agarrar o que era novo. Uma atitude de provocação que mantinha intacto o instinto mais Rock n Rool possível, mas, ao mesmo tempo, uma voz de Bono que nunca tinha soado assim, uma maquinaria que ia parar às canções mas que, em vez de as destruir, as tornava superiores a tudo o que eles já tinham feito. Ou viriam a fazer, que há momentos na vida que não são mesmo possíveis de repetir ou recriar. 

O que terá dado a estes rapazes naquele duro inverno da escura e gelada Berlim? Que abismos estiveram ali tão, mas tão perto? Que precipícios os chamaram, e que limites tiveram eles de pisar, desafiando o fim, para que saíssem desses tempos de dúvida e angustiada procura, canções tão extraordinárias como One, Until the End of the World, Who’s Gonna Run Your Wild Horses, The Fly ou Misterious Ways?

Tryin To Throw Your Arms around the world, com a coragem de um Acrobat, os U2 eram, enfim e para sempre, Even Better Than The Real Thing. 

Até a capa começava por nos dar uma chapada na cara para acordarmos. Que rostos eram aqueles, que roupas, que óculos. O que teria acontecido aos U2, entre Berlim e Rabat? 

Este disco fez dos U2 imortais. Volto a ele muitas vezes, e é, sem duvida, um dos discos da minha vida. O tal que comecei por “não curtir nada!”

Quantos grandes amores, de toda a vida mesmo, não começam assim…

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Simon & Garfunkel

Live in Central Park.

Editado em 1982

 

Eu nunca tinha tido, nem voltei a ter, diga-se, um cinco a inglês. Mas naquele mágico ano lectivo de 81-82, sucedeu isso mesmo, O ano lectivo acaba connosco a jogar à bola, querendo ser Zico, Sócrates ou Éder, mas o brasuca, que o nosso herói de Paris ainda nem era nascido. 

Nesse ano, dei comigo a perceber que a música tinha realmente muita coisa para me ensinar.e que podia ajudar na escola.

Não sei como foi o processo de decisão, não faço mesmo ideia. Mas sei que, na loja de discos que existia ao lado da loja de comida para fora, de nome Cristabela, que ficava perto da minha casa, na Figueirinha, em Oeiras; eu usei um cheque disco que me deram nos anos, quando fiz 11, e comprei “Simon & Garfunkel ao vivo no Central Park”. 

Um duplo álbum que trazia lá dentro um caderno com fotografias do histórico concerto, que tinha acontecido no mês de Setembro do ano anterior, 1981. E ali estavam as letras todas, que eu li e quis perceber. Com a ajuda de um velhíssimo dicionário inglês-português, que existia lá para casa, nasceu o meu 5 a inglês,

Como não querer perceber bem o que dizia esta dupla em “America” ou “Late in the Evening”? 

The Sound of Silence assustava-me, se o ouvisse à noite e já estivesse tudo escuro. Verdade. 

Bridge Over Troubled Water” era arrebatador, com aquela nota final de Garfunkel a estender-se do Central Park a Brooklyn.  The Boxer” era um filme na minha cabeça, “Mrs Robinson” fazia-me acreditar que quem toca guitarra e canta é, fatalmente, o maior.

A partir deste disco, afeiçoei-me muito ao universo Paul Simon, e “Graceland” esteve mesmo mesmo para entrar nesta lista. Mas decidi ir antes à origem desta fonte. A este duplo álbum, que ainda hoje guardo, Still Crazy After All These Years. 

Numa altura em que o que estava a dar eram os Survivor com “Eye of the Tiger” ou “Don’t You Want me” dos Human League (que aliás adoro) eu andava a ouvir canções que já existiam antes de eu nascer. Isso pode explicar a minha absoluta inépcia com as miúdas. Mas tive cinco a inglês, recordo. 

 

 

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Thriller

Michael Jackson

Editador em 1987

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Como não?

Este disco foi-me oferecido no Natal ou nos anos, por alguém, não sei dizer quem. Tinha uma etiqueta amarela autocolante, na capa, que dizia “Inclui The Girl is Mine, dueto com Paul McCartney”.

Sim, a CBS achou que ia precisar disso para vender melhor o disco, E nada contra essa canção. Mas caramba. O disco estava carregado de mísseis e esse dueto era, em comparação, uma fisga ou, quando muito, uma pistola de fulminantes.

Wanna Be Staryin’ Something (as vezes em que eu, puto de 11 ou 12 anos, cantei baixinho Mamasemamasamamakusa, enquanto tentava fazer o moonwalkin’) , Beat It, Billie Jean e Human Nature são a prova que Michael Jackson, e o produtor Quincy Jones, fizeram aqui um disco sem igual. Foi uma revolução. Que disco incrível, ainda hoje! 

Lembro-me de ter assistido, extasiado, à estreia, na RTP, da versão longa do video clip de “Thriller” e de ter pensado que era a coisa mais moderna que jamais tinha visto, que realismo, que onda, apetece sair para a rua e dançar. 

A decadência da figura Michael Jackson impressionou-me muito. Sou muito muito fã, igualmente, de “Off the Wall”, “Bad” e “Dangerous”, acho que ele foi um artista impar, de um talento superior. 

E este foi o seu momento mais alto. Na minha vida, foi e é um disco incontornável. E nunca teria mergulhado de cabeça no disco que veio a seguir, o estonteante Bad, em 1987, se não tivesse conhecido este, antes. 

 

Heróis do Mar

Heróis do Mar 

Editado em 1988

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Poderá provocar espanto, eu ter uma ligação tão forte aquele que muita gente considera o mais fraco disco dos icónicos Heróis do Mar.

Eu sempre fui fã destes rapazes, dos tempos iniciais de “Amor”, “Paixão” ou “Cachopa”. Também gosto do disco onde está o “Fado”, o Macau. Mas acontece que o que viria a ser o último disco da banda, com os Heróis reduzidos a 4, é realmente muito marcante na minha vida. 

O primeiro engodo tinha sido uma canção chamada “O Inventor”, que eu, simplesmente, adorava. Ainda hoje tenho o maxi single (não, não há no spotify esta versão, cof cof, é só para verdadeiros conhecedores) 

O som do telefonema, o coro a perguntar “O quê’”, as evocativas  frases do refrão: “O vento sopra, o barco tem medo..às armas, às armas!” , a remix que a RFM, que tinha acabado de nascer e de que eu era fervoroso adepto (a vida é gira) passava…contribuíram para o meu entusiasmo quando saiu o álbum, e, logo, a desilusão…ao perceber que o Inventor não constava do disco. 

Mas o que ali encontrei compensou. Aquilo começa com uma paródia chamada Rossio e que já sugere caminhos que depois parte do grupo seguiu, num universo paralelo a que chamaria LX-90. Depois tem um balada chamada Café. Uma provocação aos costumes de fé, chamada “Santinha”, uma leitura muito própria da figura de Otelo em “Abril” (mais  som LX-90 a borbulhar), uma canção pop à Heróis do Mar chamada Eu Quero, uma maravilha chamada Africana, com Waldemar Bastos…

Suponho que os discos da nossa vida nos marcam por razões diversas: Numas férias muito duras para mim, com os desavindos meus pais, em Olhão, num parque de campismo, foi a gravação deste disco, que levei numa cassete, que me manteve à tona da agua. E isso é mais do que suficiente para figurar nesta lista. Às vezes, não são as canções. Não são só as canções. 

È a nossa vida.

 

 

 

Circo de Feras

Xutos & Pontapés

Editado em 1987

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Quando me arranjaram bilhete para ver os Xutos na Escola Náutica, em Paço de Arcos, eu não podia fazer ideia de que esse dia ia mudar a minha vida. Eu não conhecia nada dos Xutos, a não ser um single chamado Remar, Remar, que me tinham mostrado numa festa no Lceu. Desconhecia também a moda dos lenços da loja Porfírios, que se juntava às botas, t-shirts ou brancas ou pretas (não havia possibilidade de outras cores), o cabedal. 

Nunca tinha estado num concerto de uma banda portuguesa em que parecia que até as paredes do pavilhão suavam. Mas tinha ouvido os “Contentores” na Comercial e já tinha contado que, no fim da música, o Tim diz treze vezes (13, sim, vão lá ouvir) “Um pouco de fé”.

Cheguei com o pessoal, e levei com “Mãe”, “Morte Lenta” e a “Casinha”, e juntei-lhes o Circo de Feras (grande musica, pensei logo), Vida Malvada (Mudar de roupa, saldar o cabelo?), Esta Cidade (ele diz Filhos da puta sem razão e sem sentido não diz? Ele diz filhos da puta? F…!) ou N’América.

Não sabia, não tinha como saber, que, nesse dia, nasceu a minha história com os Xutos. Fui ouvir tudo o que estava para trás, lembro-me de vibrar com o “Conta-me Histórias “ e os “Barcos Gregos”, por exemplo…

E daí em diante, nunca os abandonei. Uns anos mais tarde, fui vê-los a uma discoteca (!). 

Se estavam 500 pessoas era muito. 

E de cada vez que soa a frase cantada pelo TIm: “A vida vai torta, jamais se endireita” é a mesma magia, algo visceral, o sitio bom, da verdade, do sofrimento mas também do puro gozo de onde os Xutos vêm.

Este disco é, obviamente, decisivo na carreira deles. Mas também na minha vida. Desde aquele concerto, num pavilhão sem condições, com um som fracote, sem pista nenhuma da dimensão que eles haviam de ganhar, no futuro, mas…já lá estava tudo 

O Zé Pedro, nesse concerto, deu um abraço a um tipo que estava na primeira fila e sabia as músicas todas. Pensar hoje, como esse gajo da guitarra havia de se tornar um bom amigo, é perceber que não devemos deixar-nos enganar: a lenda do rock and roll vive. 

Por isso sei que não sou o único a olhar o céu. E ainda bem. Xutos sempre!

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Do medo.

por PR, em 05.04.20

edwin-hooper-Q8m8cLkryeo-unsplash.jpgPor enquanto, é o medo. O que há-de ser de nós, como se dizia numa música antiga. Haverá sempre comida? Ou melhor, quando é que vai começar a faltar comida? Atravessaremos tudo, enquanto sociedade, sem que o desespero leve a violência, saque, descontrolo nas ruas, se começar a faltar o essencial a muita gente? Quantas pessoas vão perder o emprego, quantas empresas vão fechar. Quantas pessoas mais vão morrer?
E quantas vão, para cada um de nós, sair dos números das notícias, para nos atingirem no peito, porque vão ser pessoas “nossas”? E quanto tempo mais vai durar isto? Quanto tempo até estar tudo bem? Quanto tempo é a grande pergunta, toda ela cheia de perigos.
Tenho saudades da minha mãe. Tenho saudades do Gonçalo, da Maria e da Mafalda. Tantas. Cada vez mais, a cada dia.
Queria dar um abraço à Filomena. Tenho saudades da minha irmã. Quero ir ver a minha sobrinha marcar um golo e o meu sobrinho ganhar um combate no karaté, mesmo com as cores leoninas. O que é que interessam essas cores...
Tenho saudades das pessoas da rádio. E de estarmos todos na rádio, a trabalhar e na paródia. Tenho saudades de almoçar no Rastilho com o Maisfutebol, ou na Tasca, ali em Pedrouços, em épicos almoços com o meu clã benfiquista.
Foi no último almoço desses, que o nosso amigo Manuel nos avisou para o que aí vinha. Ficámos boquiabertos, podíamos lá imaginar!
Tenho saudades de jantar com amigos cá em casa. Saudades de ir a um concerto.
E as saudades que eu tenho, de viajar com a minha mulher. Ou de apenas fazermos planos para ir. Tenho saudades de ir buscar a Carminho à escola e da alegria dela quando eu chego. Dela a correr para mim, a saudar-me com aquela alegria tão típica dela: “Pai”!
Tenho saudades dos meus sogros, dos meus cunhados, de estarmos todos juntos. Sinto mesmo falta da vidinha de todos os dias. Ir treinar. Ir ao shopping, ao cinema, ao futebol. A um restaurante. Tão simples, e agora tão impossível. Tenho saudades de ir trabalhar com o novo gang que conheci na TVI, e irmos todos almoçar, rindo das dificuldades enquanto petiscamos. E há também a nostalgia das coisas simples e banais, como ir com a família toda cá de casa, em bando, almoçar ao Love it, e estar um dia de sol, e pedirmos, eu e a Rita, um copo de sangria.
Tenho saudades de não termos medo.Todos. Uns dias mais, outros menos, mas todos temos medo.
Seja como for, haverá um depois.
Acredito que todos sairemos disto mais conscientes daquilo que deve ser prioritário no nosso dia a dia. A gostarmos ainda mais uns dos outros. Com a noção do quão preciosos somos, uns para os outros.
E da sorte que temos em termos a vida que tínhamos, até isto.
Sairemos, desta travessia, melhores pessoas: mais generosos, mais tolerantes, mais disponíveis para ouvir o outro e tentar perceber como será “estar nos seus sapatos”. Haverá tempo e vontade para abraçar, para dizer e mostrar que se gosta, que se gosta mesmo, para sarar feridas que estejam abertas, para consolar quem mais precise, e para voltar a ser natural o estar contente. Teremos paz de espírito para nos rirmos outra vez, juntos.
Que venha rápido, que a neura aperta.
Virão dias bons, os melhores, mesmo.
”You may say I’m a dreamer, but i’m not the only one”, como dizia outra música.

(Photo by Edwin Hooper)

 

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Era no tempo...

por PR, em 01.04.20

Amor
Não me dês tanto, não.

Só uma vez ou outra
Prende-me nos teus braços em cruz
E envolve-me na carícia morena e loira do teu amor
E na certeza de paz do teu carinho.

Só uma vez outra…

Poema de José Craveirinha, para a música "Apenas", de Fausto Bordalo Dias.

Entre os caminhos da quarentena, acha-se espaço para reencontros. Com discos, por exemplo. Este eu não ouvia desde o inicio dos anos 90. Recordo quando o vi a primeira vez, o vinil que encontrei na discoteca do CMR, capa com uma etiqueta autocolante de lado, a identificar o seu número de catálogo. Parece que estou a ver o tipo de letra dessas etiquetas, que também catalogaram os Cd's.
Nas madrugadas de noticiários a solo, havia tempo para abrir o olhar e a escuta. Um caminho solitário e nocturno de descoberta que me trouxe coisas que guardo até hoje.
Do Fausto, eu conhecia o icónico "Por este rio acima" e o "Despertar dos Alquimistas", e, mesmo assim, vagamente.
Este disco, chamado "A Preto e Branco", teve em mim profundo impacto. Desde logo porque trazia um doce "Namoro", que eu sabia de cor na voz do Sérgio Godinho, e cuja melodia eu sabia ter sido inventada por Fausto (para um poema do angolano Viriato da Cruz), mas nunca tinha ouvido o próprio Fausto cantar aquilo. A letra, mudada aqui e ali, mais doce, mais africana no balanço das palavras escolhidas, ainda mais rica no apelo à memória de cheiros e calores.
"E a malta gritou, aí Benjamim..."
E depois fui por ali fora. Agora mesmo, apanhou-me de surpresa, no Spotify, numa lista de musica portuguesa que eu tenho, chamada "Tugas para eu cantar", a faixa de abertura do disco "Era no tempo dos Tamarindos".
Mas que maravilha! Que bem que me soube continuar a saber a letra toda, ainda hoje.
É um disco que nunca será visto como a arte maior do Fausto, tal a grandiosidade de outras obras dele. Mas, para mim, vai direto ao coração, com o nostálgico sabor familiar de um tempo que passou, e que foi bom. Lembrei-me daquelas madrugadas, sozinho na rádio, a ouvir música sem parar, enquanto escrevia noticiários numa máquina de escrever, na redacção, com aqueles armários de pesada madeira que eram uma arca do tesouro. Dali vinham incríveis sons completamente desconhecidos para mim, até então.
De Donald Fagen a Tom Verlaine. Tribe Called Quest a Happy Mondays. De Mler If Dada a uma inacreditável Guida de Palma, emigra em Paris de França, que cantava uma coisa que dizia :
"O que é que tu fazes bebé, quando a noite cai? Olhas a novela, ou sais?"
Na voragem da descoberta, cabia um mundo de coisas, oriundas de planetas musicais de sistemas solares que não comunicavam entre si.
Da música que me bateu de frente naquelas noites vem então a África cantada neste disco do Fausto.
Como aqui, o poema de Ernesto Lara Filho, para a música que abre o disco, a tal dos Tamarindos.

Era sempre o mesmo diálogo
Minha mãe:”Chingamin?”
Zenza Niala no chão sorria
Mostrava os dentes de marfim
E respondia
-“Meia-cinco, sinhóra”

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Love. Always.

por PR, em 29.03.20

Quando voltarei a ver três dos meus filhos. A minha mãe. A minha irmã, o meu cunhado e os meus sobrinhos. Quando voltarei a estar com a restante família. Os meus amigos. Os meus colegas? 

O que será que sairá daqui, quando isto passar? E quando vai passar?

Podemos olhar para este período inédito da nossa história como uma oportunidade de crescer, enquanto sociedade? Mas como, se o pessoal continua a ir para a praia todo contente, logo que faz um pouco de sol?

A poluição aliviou. Mas a economia está a ganir de dor. Haverá gente a perder sustento, empresas a fechar. O digital afirma-se como negócio maduro? O streaming de vídeo e áudio cresce como nunca? Mas se não se filmar novo conteudo brevemente, até o streaming vai à vida...E como é que o mercado publicitário, que sustenta o negocio de media, vai viver este angustiante durante e navegar depois no que virá a seguir?

Sobretudo...quantos vão morrer?

O planeta ficou, de súbito, da sua justa dimensão. Ou será melhor dizer que a Humanidade ficou reduzida à sua real expressão: somos todos bastante frágeis e próximos uns dos outros. A China é tão perto como outro sítio qualquer, afinal. África, Europa, Américas, Ásia, tudo é uma coisa só, com nomes diferentes. O Vírus atira-nos isso às trombas de uma maneira cruel e violenta. 

Saibamos, ao menos, aprender com isso. E quem lidera, que esteja à altura das circunstâncias graves em que estamos metidos. 

Claro que nada disto é garantido a 100% ou em todo o lado. Bolsonaro, Trump, Johnson..tragédias entro da grande tragédia. Mas na mesma medida que todos os que apregoam que a eles nada lhes toca, isto é tudo um exagero, que frescura.

O chico-espertismo nunca foi boa prática, só que aqui é potencialmente homicida.

Ainda assim, o mais importante acho que é isto: respeitar o distanciamento social: 

Ficar em casa é um gesto individual que devemos assumir por amor aos nossos. E a toda a humanidade. Love is all we need.

Como sempre.

Permaneçam seguros. 

Vai ficar tudo bem. Demorará, e vai doer durante todo o caminho. Mas vai.

 

 

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Do que anda no ar.

por PR, em 14.03.20

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São dias de incerteza, dúvida, e medo. 

A Pandemia do Corona Virus leva-nos a uma experiência social inédita. Um vírus que deu a volta ao mundo, mostrando-o tão único e próximo como tantas vezes nos esquecemos que o mundo, efectivamente, é.

Estou em casa com a família, resguardados desse perigo invisível, enquanto acompanhamos as noticias, com doses iguais de preocupação, serenidade e responsabilidade. O que estes dias já nos mostraram, de forma cristalina, é o fio fino que separa as nossas misérias e as nossas mais virtudes. Do pessoal que enche restaurantes, bares, esplanadas aos que antes gozavam com o Covid_19 e agora fazem discursos inspiradores.

Nenhum de nós tem moral para dar lições, o livre arbítrio está aí, como sempre, tão parte da condição humana, como outra coisa qualquer. 

Que esta condição de aflição colectiva nos inspire, nos faça a todos melhorar, que saibamos unir esforços, passar mensagens de cidadania e bem comum como algo maior que o interesse de cada um. 

Contra o egoísmo, o altruísmo.

Que se dê, de uma vez por todas, o aplauso e a ajuda devida e professores, médicos, enfermeiros, técnicos de saúde, farmacêuticos e todos os profissionais que estão na primeira linha do perigo, sem vacilar. Todos têm família, todos têm medo. Mas a lição de coragem que nos dão é inspiradora. 

Saibamos todos ser dignos do seu exemplo e que, quando isto passar, porque vai passar, todos nós possamos sair mais fortes deste horror.

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Foi tudo ontem.

por PR, em 21.08.19

10612761_10204707363662959_6968557252276283241_n.jQuem jogou neste grandioso estádio, no futebol da minha infância, sabe que o melhor guarda-redes de sempre foi um rapaz chamado Abel. Voava para apanhar todos os remates ali ao fundo, entre a parede e uma pedra da calçada que punhamos a fazer de poste. Ele tinha vindo de Angola, tremia de frio mesmo quando já estavamos em Maio e era de um sorriso que nunca esqueci. Neste campo da rua conheci o meu primeiro grande amigo portista, que ia jogar com uma camisola  que parecia oficial (raridade absoluta, à época). Era o Filipe Aleluia. Nunca mais soube dele. Morava no prédio de um miudo chamado Tiago, que morreu, naquele que foi o primeiro embate da minha vida com a morte de alguém que eu conhecia.Nesta praceta havia um senhor, careca e de bigode, que morava numa casa com uma varanda que dava mesmo para a grande área. Às vezes a bola ia lá parar. Umas vezes subíamos, arriscando tudo para continuar o jogo. Outras vezes ele chamava a policia e não havia mais bola para ninguém.Na praceta de Sofala, que na altura era maior do que é hoje, porque, entretanto, aumentaram o espaço para os carros; jogava o Dy, jogava o Filipe dos Óculos, o Tozé do prédio do canto, o Pestana do meu prédio que ficava do outro lado da rua, o Barrocal que mandava naquilo tudo, os manos Silvério. O Peiduça, o Mirron, o Miguel que era o irmão mais novo da Susana e que agora é Chef de Cozinha.Naquela calçada aconteceram golos e jogadas que deviam ter sido gravadas. Mas não havia telemoveis, nem internet, nem consolas...por isso passavamos o dia na rua.

Nesta rua.

Eramos Jordão, Carlos Manuel, Gomes bi-bota, João Alves, Chalana, Oliveira, Bento.

Ou Zico, Sócrates, Falcao, Éder, no incrivel verão de 82.

E, muitas vezes, não havia ninguém para jogar, eu saia de casa, levava uma bola e inventava jogos a sério, sozinho, a atacar e defender as duas balizas, horas a fio, neste passeio que aqui vos mostro.

Tudo me parecia tão maior.

O mini-mercado Costa & Teixeira, um baixinho, magrinho de bigode, o outro bonacheirão. O Tebe, que era madeirense e morava por cima dessa loja, onde vendiam garrafas de gasosa que tinham um berlinde dentro.

Esta imagem, na qual tropecei hoje, tem vista para esse lugar mágico, longinquo e aconchegante que é a infância, apesar de alguns fortes pesares, que também os houve.

Mas ali, a jogar à bola, ou hóquei com os sticks Reno dos miudos que jogavam no PA...

Ou simplesmente na conversa, nas escadas de um dos prédios da Praceta...eu fui um miúdo tão mas tão feliz.

Fazer linhas, dois saltos e o resto passos. Muda aos 5 acaba aos 10. Ou quando nos chamarem da janela.

Praceta de Sofala. Maior Estádio do Mundo. ​

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